Eu sei quem você é

Mariana é de uma família de médicos que mora no Morumbi, em São Paulo. Mariana é advogada. Mariana é jovem. Mariana é mimada. Mariana é extrovertida. Mariana é rica. Mariana é cheia de amigos. Mariana é viva. Mariana é gentil. Mariana é sexy. Mariana é confiante. Mariana é esperta. Mariana é das festas. Mariana é negra.
 
Mariana é medrosa. Mariana é insegura. Mariana é triste. Mariana é pobre de si. Mariana é superficial. Mariana é vazia. Mariana reflete no fundo dos seus olhos a sua insegurança. Mariana é a prostituta Clara.
 
Já a Kelly é Stefanie também. Kelly reflete no seu sorriso o seu medo. Kelly reflete na sua expressão a humilhação que sente. Kelly reflete na sua postura o seu cansaço. Kelly, no fundo, só tem a necessidade de vencer. Kelly tem que vencer as batalhas da vida. Kelly é orfã de pai, mas não de mãe. Kelly não estuda. Kelly é das esquinas das ruas escuras. Kelly é a mãe de dois filhos. Kelly é a Stefanie por sobrevivência.
 
Clara e Stefanie abrem as suas vidas, suas intimidades para homens todas as noites. São invadidas pela dor, angústia, nojo e tristeza. Stefanie pensa no dinheiro. Clara pensa na autoestima, ela só quer se sentir amada, ou, pelo menos, desejada, nem que seja dessa forma.
 
Stefanie trabalha na Anhaia Mello, zona leste. Espera os carros virem até ela e segue para o motel, naquele mesmo esquema já conhecido por todos: desde a localização das prostitutas até a negociação do preço para determinado serviço. Ela esconde de todas as pessoas a sua profissão, já que, afinal, nem registrada ela pode ser. Stefanie, enquanto Kelly, questiona toda a marginalização e preconceito contra sua profissão.
 
Clara trabalha nos eventos corporativos, acompanhando jogadores de futebol, políticos e empresários. Sempre bem vestida, ela entrega a sua vida para que possa sentir, nem que seja por breves momentos, mais preenchida. Clara não é considerada prostituta pelos seus amigos. Pra eles, ela é apenas uma acompanhante de luxo. Clara, enquanto Mariana, não sente toda a marginalização e o preconceito que Kelly sofre.
 
Para ambas, a vida já não tem mais valor, ela é vendida todas as noites por qualquer preço. Kelly evita a fome e, Mariana, o seu vazio.
 
Kelly, em mais uma noite de trabalho, decide mudar de ponto, decide que vai trabalhar no Morumbi. Pega um velho ônibus 476A10, “Estádio do Morumbi”, e, enquanto segue o trajeto, se maquia e perfuma com um Avon qualquer. Duas horas depois, ela desce do ônibus, percorre uma rua escura até que um Camaro com um velho buzina: “Entra aí, piranha!”.
 
Stefanie entra e o velho se apresenta: “Pietro.” ”Me quer para quê?”, ela questiona. “Pra te comer, oras. Gostaria de estar passando uma noite com a nega gostosa que minha filha é. Já que para mim ela insistiria em dizer não, por que não você?”
 
Pietro parece dirigir sem pressa, a 40km/h na Giovanni Gronchi. Ele observa cada detalhe das curvas de Stefanie enquanto dirige. ”Minha filha acha que sou besta. Eu sei que ela gosta de dar pra vários por aí. Ela é do tipinho que acompanha os ricos em festas. O seu outro nome é Clara. Um amigo viu ela no Jockey com um empresário semana retrasada. Na passada, ela disse que ia viajar com umas amigas para a praia, mas estava em Florianópolis com um político. Insiste em dizer que não vai me dar”.
 
Chegam em um hotel metido a estrangeiro. Pietro manda a recepcionista preparar a suíte de luxo da cobertura. Stefanie se impressiona com tamanho luxo. Pietro manda ela tirar as roupas, mas diz que faz questão de tirar a calcinha e o sutiã. Eles se deitam e Pietro começa a acariciá-la, beija o seu pescoço e, depois, as suas costas. Rasga a sua calcinha fio-dental branca, que contrasta com a pele. Arranca o sutiã com a boca.
 
“Mariana, eu sei quem você é”.
 
Anônimo
 
O texto acima abordar questões como a prostituição e a exploração sexual. Para trazer uma maior conscientização e elucidação a respeito do assunto selecionamos alguns textos que trazem informações e opiniões acerca do tema.
 
Cartilha SOF (Sempreviva Organização Feminista) “Prostituição – Uma abordagem Feminista”
https://bit.ly/CartilhaSOF
“O que há de errado com a prostituição?” – Nordic Model Now
https://bit.ly/2OHdvVg
“A Prostituição é Empoderadora Se Optamos Por Ela?” – Ariana Amara
https://bit.ly/2WAXpAW
“Se você apoia o “trabalho sexual”, você não é apenas anti-feminista — você é anti-direitos humanos” – Adele Asoski
https://bit.ly/3fKf80c

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