Em 1989 o Olympique Lyonnais (OL), ou Lyon, jogava na segunda divisão da França e era um time quase sem expressão dentro do cenário nacional. Em 2020, o Lyon foi semifinalista da Liga dos Campeões, vencendo a Juventus e o Manchester City, e, anteriormente, conquistou de forma seguida sete campeonatos nacionais entre 2002 e 2008. Colocando em corporativês, o Lyon é um case de sucesso.
Por outro lado, o Saint-Étienne, time francês que você, provavelmente, não conhece, era um dos grandes times em 1989 e recordista com dez títulos nacionais. Hoje, o Saint-Étienne continua recordista com os mesmos dez títulos, porém se tornou um time com resultados medíocres e com baixa relevância nacional, ocupando somente a 17° colocação no último campeonato. O jogo virou na França, os protagonistas se inverteram.
Você deve se perguntar o que aconteceu com o Saint-Étienne para deixar de ser uma das referências do futebol francês, todavia, a pergunta que você deve se fazer é: o que o Lyon fez para se tornar um time tão acima da média num curto espaço de tempo. O Lyon sabia das suas limitações, entendia que se quisesse competir contra a Juventus, Saint-Étienne e Manchester City era preciso mudar sua estratégia de atuação.
Segundo o livro Soccernomics, escrito por Simon Kuper e Stefan Szymanski, o Lyon sabia que não era um time com grandes receitas e nem que era a equipe dos sonhos para os profissionais do futebol. Assim, a estratégia do time passou a se dedicar ao bem mais valioso e importante que eles tinham: seus jogadores. O Lyon foi um dos primeiros times do futebol a compreender que o sucesso do time passa diretamente pela adequação de seus atletas ao clube.
Assim, o OL se tornou um dos precursores no cuidado de seus jogadores, entendendo que era preciso fornecer amparo para além da parte física. Dessa forma, o clube provê aos seus profissionais toda a assistência possível para sua adaptação e melhora de sua performance. O clube se preocupa com assuntos fora do ciclo futebolístico, como problemas pessoais do jogador e adaptação ao clube e a cidade. Por isso, foi montado um staff para gerenciar adversidades como procurar um tradutor, residência, escola para os filhos, carro, comida, tudo para o jogador se preocupar somente em jogar futebol.
O cuidado que os jogadores do Lyon recebem se mostrou extremamente eficiente e acabou sendo copiado por times ao redor do mundo. Por meio de condutas objetivas como essa o Lyon deixou de ser um time de segunda divisão e se tornou um time de primeiro escalão, sem a necessidade de injeção de grande quantidade de dinheiro como o PSG e o Chelsea.
Certo, porém o que a USP pode aprender com toda essa lição e como o Lyon cuida de seus jogadores? A USP é a universidade brasileira com maior orçamento nacional e que recebe, ano após ano, os melhores estudantes do ensino médio. Assim, é de se estranhar que a USP não faça por onde e trate da melhor maneira possível seu bem mais precioso: seus alunos.
O processo de admissão da USP é um dos mais concorridos, recebendo inscrições de todos os lugares do Brasil. Os candidatos aprovados quase sempre são jovens motivados com alta capacidade de produção. Então, por que sujeitar a esses alunos, que se esforçaram imensamente e demonstraram competência, uma condição que não extraia ao máximo suas qualidades?
Estamos vendo, repetidas vezes, um desgaste dos alunos com seus cursos e com seus professores. E adivinha quem é o maior prejudicado com tudo isso? A própria universidade. Ao não atuar ajudando seus alunos e tentando criar o melhor ecossistema possível, a USP vem se prejudicando. Afetando seus resultados e permitindo que outras instituições se tornem cada vez mais expressivas em relação à USP. No final, é um ciclo que está culminando na decadência da própria universidade.
Talvez seja isso que podemos aprender com o Lyon, que o pessoal que compõe uma instituição é o bem mais importante dela. Assim, oferecer aos alunos a melhor condição de estudos é oferecer a própria universidade a melhor forma de maximizar sua performance.
Dessa forma, incomoda ver os estudantes serem sujeitados a uma série de professores que pararam no tempo, que não possuem empatia e respeito com outro, que fazem o que querem por quase não haver repressão. São docentes que não se preocupam com o aprendizado, que agem de forma egoísta, que acabam prejudicando os alunos, e no fundo, o próprio local de trabalho.
Não adianta um clube de futebol colocar um técnico que não sabe comandar um time, que não entende que sua função não é somente armar o time, e sim gerenciar os jogadores e extrair o máximo de cada um. Vimos isso com Parreira em 2006, Luxemburgo no Real Madrid e com Abel Braga no Flamengo, todos times excelentes, porém que não chegaram ao auge. Um técnico/professor é capaz de arrasar com toda uma equipe/sala. Definitivamente não é um cargo para qualquer um.
Da mesma forma, é constrangedor imaginar que uma faculdade, que deveria ser a primeira na linha de frente para lutar pelos seus alunos, não batalhe para garantir que seus alunos continuem estudando. Como pode uma faculdade não se mover, ou pior, sugerir que seu bem mais precioso se afaste dos seus estudos. Apesar do futebol ter suas falhas, nunca vimos um time jogar contra seus próprios jogadores, talvez possamos aprender isso com eles também.
Ao longo dos anos vemos observando a USP perder sua supremacia. Cada vez mais temos professores, pesquisadores e alunos optando por outras instituições. Seja por melhores condições de trabalho, salários, oportunidades ou por saberem que a USP não vem se defendendo. A USP vem se tornando a caracterização do time de interior que perde seus melhores ativos por não conseguir suprir as suas necessidades.
Os alunos não querem matérias fáceis ou professores relaxados, querem comprometimento com o ensino, organização e empatia. Querem que o seu local de estudo, que lutaram tanto para participar, retribua seu esforço procurando oferecer o melhor ambiente possível, e não atuando contra alguém de dentro da instituição.
É de conhecimento geral que mudanças dentro do ambiente universitário são difíceis, existem leis, normas, tradições, orçamento, o processo é longo e todas as etapas e discussões são válidas. Todavia, o sentimento que fica é que a USP vem fazendo pouco caso de uns de seus recursos, é preciso sentir retribuição por parte dela para sabermos que estamos todos no mesmo time.
Se a USP fosse um time, seria aquele grande time do passado que acumulou muita glória e hoje vem sofrendo para se manter no auge, perdendo cada vez mais protagonismo. A impressão é que o jogo vem passando diante dos olhos, porém não precisa ser assim. O jogo sempre muda, e o time que estava perdendo sempre pode virar.
Roberto Araújo,
Engenharia Civil, 3° ano
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