Desconectar.
Verbo transitivo direto.
Interromper ou desfazer a conexão entre.
Ao longo dos séculos, mais especificamente o que vivemos atualmente e o passado, a humanidade vem, incessantemente, buscando maneiras de se conectar. Se conectar com os outros, com outras partes do mundo e até mesmo buscando contato externo. Mas essa conexão que as pessoas tentam facilitar e aproximar cada vez mais pode também ser danosa. Extremamente danosa. Ela nos torna dependentes. Mais do que dependentes. É uma dependência que conta com diferentes frentes para que seja a mais efetiva o possível.
Aplicativos. Plataformas. Redes sociais. Amigos. Conhecidos. Ídolos.
Todos procuram engajar o máximo de dependentes pelo maior tempo que for possível, para que continuem nessa dependência, ainda mais na época em que vivemos, onde é o principal e único meio de se comunicar com a maioria das pessoas.
Além de prender e manter sempre conectados ela também aliena. Quando foi a última vez que você viveu sua vida sem influência das redes sociais, do seu celular e de informações advindas dele?
Foi, estando presa nesse pensamento, que eu percebi que precisava reiniciar manualmente – sem ser aquela reiniciada automática para atualização do sistema.
Decidi tirar um dia para mim, sem contato nenhum com qualquer tipo de redes sociais ou com o celular. Achei que fosse ser uma experiência revigorante e revitalizadora, que eu fosse parar para pensar sobre mim e sobre o que eu tenho feito, como tenho vivido minha vida.
Desconectei.
Mas foi tudo muito além do que eu esperava.
Passei o primeiro dia assistindo série, que eu sei que é uma maneira de estar conectada ainda, mas pelo menos sem outras pessoas, pelo menos 5 mídias sociais na minha frente e querer saber como os outros estavam levando a vida. Foi um momento eu, minha mente e informações de séries que eu estava consumindo.
E foi ali que eu senti que minha vida tinha sido tirada de mim, só porque eu estava sem meu celular e todos os canais usuais. Será que eu não tenho uma vida? Me indaguei pelo menos umas 50 vezes ao longo dos últimos dias – acho importante mencionar agora que foram inúmeros os dias que passei desconectada, quanto mais tempo eu passo assim, mais eu quero passar.
Parece que tudo que eu almejo, que eu construí e que eu sou foi baseado em outros. Em outras pessoas. Em sonhos alheios. Na vida que alguém deseja para si mesmo. Senti que tudo isso foi tirado de mim.
Comparação. Conexão. Tudo estava interligado.
Vivemos nos comparando. Para nos compararmos, precisamos da outra parte. Em isolamento social só conseguimos chegar até a outra parte nos conectando.
Sem ter a comparação, a base, a vida de alguém para basear a minha, eu não era nada. E não sou.
Uma coisa curiosa que aconteceu nesses dias foi relacionada à quantidade um pouco exagerada de séries que estou consumindo. Assim como a comparação acontecia com pessoas, normalmente ao meu redor, ela começou a acontecer com pessoas de séries, querendo suas vidas e me projetando nelas. Eu realmente senti que eu não tinha uma vida minha, e sim qualquer uma que aparecesse para eu copiar. Até meus sonhos, enquanto durmo, foram tomados pelos cenários das séries. Todos eles.
Ainda estou sem me conectar, tentando descobrir qual a vida que eu almejo para mim mesma, o que eu quero, qual o meu propósito. E pretendo responder algumas dessas perguntas antes de voltar. Não posso pegar mais uma vez a vida de outra pessoa para basear a minha.
Foi e está sendo uma experiência bem traumática. Mas ao mesmo tempo libertadora. Uma sensação estranha que eu não sei descrever. Não sei se recomendo. Viver no automático fora da própria cabeça é muito mais fácil. Muito mais cômodo.
Ananda Cruz,
Texto enviado para O Politécnico.
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