Neste ano, não teremos ingressantes na Poli da baixada santista. Vale para 2021 e valeu para 1991. Por uma primeira vez, a Poli Cubatão não abriu vagas para os vestibulares, pois não tinha capacidade para novos alunos. A experiência que deu origem aos cursos quadrimestrais da Escola Politécnica dava os primeiros passos para o seu fim, que aconteceria anos mais tarde.
A Poli Cubatão foi a primeira expansão da Poli para outras cidades. Tal qual ocorreria anos mais tarde em Santos, foi criada uma unidade da Poli na baixada santista, na cidade de Cubatão. Marcou o início dos cursos quadrimestrais e inaugurou o primeiro curso de engenharia de computação no Brasil. Foram 7 anos de duração, com 4 turmas ingressantes. Ainda assim, o lugar reservado à Poli Cubatão na história da Escola Politécnica é o do esquecimento.
O Começo
Ao fim da década de 80, Cubatão era uma cidade com um polo industrial estabelecido e necessidade de mão de obra qualificada. Por tal motivo, diversas pessoas que trabalhavam nas indústrias da baixada santista faziam cursos à noite na Poli. Isso evidenciava uma demanda que a prefeitura da época — cujo prefeito era José Passarelli — resolveu explorar, convidando a Escola Politécnica para implantar, numa escola de ensino médio em Cubatão, cursos de extensão ministrados à noite. Esse projeto inicial, guiado pelo professor Décio Leal de Zagottis, então coordenador do NEP (Núcleo da Escola Politécnica), foi um sucesso.
Após tal sucesso, o próximo passo seria ampliar essa participação da Poli na cidade: criar um Polo Acadêmico e Tecnológico em Cubatão. Já havia, por parte da Poli, um interesse na criação de cursos cooperativos, ou seja, cursos que alternassem períodos de estágios e períodos de estudos através dos quadrimestres. A cidade, por sua vez, precisava de uma mão de obra qualificada, que tivesse conhecimento acadêmico e prático. Juntando a fome com a vontade de comer, diretoria e prefeitura se uniram para a criação de uma unidade da Escola Politécnica em Cubatão, ministrando graduações cooperativas e quadrimestrais. Tal projeto teve grande participação, e mais tarde, liderança, do professor Antônio Massola. Era o início da Poli Cubatão.
Como foi feito
A prefeitura de Cubatão disponibilizou uma escola de ensino municipal para sediar provisoriamente (período de 2 anos) a Poli, comprometendo-se a destinar um terreno para construírem uma estrutura definitiva, com projeto elaborado pela Escola Politécnica. A escola destinada ficava às margens da rodovia Anchieta, em um local afastado da cidade. O terreno que seria destinado para a Poli Cubatão definitiva também ficaria próximo às rodovias de acesso ao município.
Já para a questão acadêmica, planejaram-se três cursos: engenharia de computação, engenharia de produção e engenharia química. Todos seriam cooperativos, ou, na linguagem atual da Poli, “quadrimestrais” (apesar de que ser quadrimestral, por si só, não significa que há alternância de estudos e estágios). Engenharia química, assim como engenharia de produção, já eram lecionados de maneira semestral e tradicional na Poli. Já o curso de engenharia de computação era novidade. Não apenas uma novidade para a Poli, uma novidade para todo o Brasil. Seria o primeiro curso de engenharia de computação de todo o país — diz-se que havia uma certa corrida para que esse curso saísse o quanto antes, pois a Unicamp estava planejando criá-lo também.
Então, a primeira Fuvest que dava a opção de se candidatar a uma vaga na Poli Cubatão foi realizada em 1988. Nela, diferentemente de como o vestibular para engenharia de petróleo em Santos era realizado até ano passado, você teria de escolher se queria ir para Cubatão ou não. Não se tratava de uma segunda opção, mas a principal, em que você também escolheria uma das três engenharias. Havia 60 vagas para cada uma das engenharias abertas, o que resultaria em 180 ingressantes para 1989.
Os primeiros alunos
Após a aprovação no vestibular, os alunos começariam suas aulas na Poli Cubatão em janeiro de 1989. As aulas seriam ministradas, provisoriamente, na escola municipal disponibilizada. Ao chegar na escola, numa primeira visita, alguns problemas já eram evidentes: não havia bebedouros (problema que só foi resolvido no terceiro mês), a estrutura era bem simples, não havia restaurantes dentro ou perto da faculdade, entre outros. Além disso, a prefeitura tinha trocado, era outro prefeito e partido no poder — este, porém, não demonstrava interesse nesse novo campus da USP.
Surgiu, rapidamente, um problema que já sinalizava como o projeto da Poli Cubatão havia sido exageradamente acelerado: para o início das aulas, não tinha professores para lecionarem a todos os alunos. Abriu-se um concurso para professores que dariam a aula no novo campus e, enquanto isso, durante um quadrimestre, os alunos tiveram uma espécie de “preparação para a faculdade”, reforçando o conhecimento já adquirido e ensinando alguns conceitos básicos. Apenas em maio o primeiro quadrimestre de aulas teria início.
Já nesse período, os 180 alunos da Escola se aproximaram bastante, uma vez que eram somente eles por ali. Um aluno chamado Octávio Gerbasi tomou a frente na representação discente, juntamente com César Augusto Cézar e Pedro Marques. Formaram, assim, o que se tornaria o Centro Acadêmico daquela unidade, também chamado, por eles, de “grêmio”, e que, anos mais tarde, se tornaria o Centro Acadêmico Alan Portela (CAAP). Devido às condições insalubres de boa parte da escola, muitas das pautas defendidas eram simples, como a instalação de um bandejão, que foi alcançada, evitando que os alunos tivessem de se deslocar por quilômetros para almoçarem. Nesse contexto, Octávio caracterizou a diretoria da Poli como bastante atenciosa e flexível, agindo dentro das possibilidades, com diversas pessoas incentivando o projeto dos cursos cooperativos. “A negociação era de alto nível, sem ‘toma lá, dá cá’”.
Início das aulas
Em maio, acabaram as pré-aulas e os professores novos chegaram a Cubatão. A inscrição em disciplinas era por módulo, ou seja, você tinha um bloco de disciplinas para realizar naquele quadrimestre, não havendo exclusão ou inclusão de outras disciplinas. “Os módulos terminavam e não tínhamos retorno sobre as notas das provas feitas (nenhuma delas) durante o período. Sabíamos que cada professor tinha um critério de aprovação e, no geral, cada aluno sabia da sua condição particular. Mas não havia o critério sobre reprovações. O que aconteceria entre um quadrimestre e outro. Haveria algum tipo de recuperação? DP? Como e quando seriam feitas as disciplinas reprovadas? Ninguém sabia.” é o relato de Plínio Guimarães, ingressante de 1989 em engenharia de computação.
A ordem, de origem um tanto nebulosa, era de que, caso houvesse reprovação em alguma disciplina daquele módulo, o aluno deveria ser reprovado em todas as disciplinas, ou seja, refazer todo o quadrimestre. Muitos alunos, como foi com o Plínio, já estavam prontos para estagiar, quando receberam a notícia de que haviam sido reprovados: todo aquele primeiro ano tinha sido “em vão”, já que deveriam refazer absolutamente tudo no ano seguinte. Se reprovar numa disciplina nos cursos quadrimestrais da Poli já é complicado, fazer o mesmo na Poli Cubatão se tornaria quase uma sentença.
2º Ano
Em 1990, houve a segunda leva de ingressantes, com o mesmo número de ingressantes que a primeira, ou seja, 60/60/60. A escola praticamente lotou. Como muitos alunos estavam refazendo matérias, algumas salas de aula tiveram de ser ampliadas às pressas. Era o segundo ano de Poli em Cubatão e o segundo ano da gestão Ney Serra na prefeitura. Teoricamente, seria o último ano da escola municipal, pois o novo espaço seria criado. Na prática, os alunos e a diretoria já notavam: esse projeto demoraria para avançar.
Nessa época, o Centro Acadêmico já estava mais organizado: Octávio agia como presidente, diretor institucional, enquanto César cuidava da área financeira e Pedro de festas, esportes e interações no geral. Eles haviam recebido uma sala destinada ao centro, que servia como espaço de socialização (o estudo ficava para as repúblicas). Aliás, a “pequena” Poli estava indo bem nos campeonatos interuniversitários da baixada santista: chegaram até em algumas semifinais, conta Octávio. “Falei para o Pedro nos inscrever em todos os campeonatos que tinha, masculino e feminino, via se ‘dava’ time e íamos”. Essa organização terminava em festas, feitas no próprio campus com bandas locais, e uma recepção acalorada pros calouros, com direito a alguns trotes respeitosos.
Essa organização gerava alguns resultados para os alunos: Karime Abib, da engenharia de produção de 1989, conta que conseguiram adiar a prova para os ingressantes das últimas listas, por exemplo. Ocorreu a instalação de uma pequena biblioteca na escola, essencial em períodos pré-internet. Eventualmente surgiu, também, um jornal dos estudantes da Poli Cubatão que era o “A Fazenda”, mas não parece haver registros dele e, nos últimos anos de escola, foi descontinuado. Porém, a frente principal de atuação do centro acadêmico vinha na defesa do próprio campus.
Tal defesa era feita de diversos modos: frente à diretoria da Poli, à USP, à coordenação do próprio local, à cidade, ao estado… Não faltou disposição. Octávio relata que muitas vezes puxava grupos de 10 pessoas ou mais para ir à câmara de vereadores de Cubatão defender o desenvolvimento da Poli na cidade e melhorias para a estrutura que tinham. Por outro lado, como também confirma o professor Antônio Massola (coordenador da Poli Cubatão), a gestão Ney Serra não tinha tanto interesse na Escola. O incentivo estava voltado para o IFSP Cubatão, que formava técnicos nas áreas, ao invés de graduados.
Ainda assim, alguns alunos se sentiam desamparados pelo modelo de avaliação da unidade. Além de reprovar alunos por módulos, se a reprovação ocorresse em três quadrimestres seguidos, o aluno seria jubilado — embora, segundo Plínio, isso nem sempre ocorresse. “Uma máquina de moer gente” foi a maneira que Reginaldo Inojosa, da engenharia de computação, descreveu esse modelo. E, de fato, “moeu”. Plínio conta que por ter reprovado um ano inteiro, teve diversos problemas familiares. No ano seguinte, 1990, quando o resultado se repetiu, os problemas se agravaram e ele largou a Poli. Outro aluno, que era ingressante em 1990, havia vindo de outro estado para estudar e, no fim, voltou para casa desmotivado e tendo de explicar aos pais que todo aquele ano tinha sido “em vão”. A pressão foi tamanha que resultou em seu suicídio. Seu nome era Alan Portela. No ano seguinte, foi homenageado pelo centro acadêmico, que passou a se chamar Centro Acadêmico Alan Portela. Houve outros casos similares na escola.
3º ano
Por fim, como já era de se esperar, a prefeitura não cumpriu com sua parte do acordo e a escola municipal parecia que tinha vindo para ficar. Octávio diz que, nessa época, depois de tantas reuniões com prefeitura e vereadores, já estava desacreditado e imaginava que os anos da escola estavam contados. Foi o primeiro ano que não receberam ingressantes na unidade: já não cabia mais. Muitos alunos tinham déficits no histórico escolar, precisavam fazer aulas de laboratório e isso não era possível em Cubatão, não havia a estrutura necessária. Resultado: a diretoria determinou que os alunos começassem a fazer algumas aulas em São Paulo. Era o primeiro anúncio do fim daquela unidade da Poli.
Após isso, o CAAP conseguiu que a diretoria disponibilizasse o transporte entre os campus. A chegada em São Paulo foi “complicada”: a engenharia química foi a mais afetada, chegavam a passar quase a semana inteira na Cidade Universitária e teve um estranhamento com os alunos do curso semestral, que tinham aulas totalmente separadas. Aos poucos, os alunos foram se acostumando com as aulas misturadas entre as cidades, embora vários estivessem descontentes, pois selecionaram, no vestibular, que cursariam em Cubatão. A partir do ano seguinte, eles cursariam toda a graduação em São Paulo, formando-se em maio de 1994 (devido à defasagem inicial em Cubatão). Na engenharia química, de 60 ingressantes, formaram 15.
Anos seguintes
Em 1992, houve uma nova leva de ingressantes em Cubatão: já era possível pois os antigos alunos estavam “desocupando” o espaço. Como os alunos da turma de 1989 já estavam de saída e os de 1990 já tinham aulas em São Paulo, estes novos encontraram um desamparo dos veteranos, pois muitos já não acreditavam na continuidade daquela unidade e, com o cansaço do modelo quadrimestral, apenas visavam à formatura. A ambição da Poli em construir um grande campus em Cubatão já se esvaecia.
Para o ano seguinte, a situação foi a mesma. Entraram ingressantes em 1993 e, com a subida da turma de 1990, o CAAP foi se esvaziando ainda mais. Nessa época, houve a “invasão do CA”, em que alguns alunos, entre eles, Reginaldo Inojosa, se juntaram para assumirem o centro acadêmico. Apesar de, neste ano, Passarelli (prefeito que incentivou a criação do campus) ter assumido de volta a prefeitura, não houve novamente incentivo municipal para a Poli, que cada vez mais minguava e se mostrava incapaz de formar alunos, que sempre tinham de terminar a graduação em São Paulo. Por tal motivo, após esse ano, não receberam mais alunos.
Em decisão conjunta da diretoria da Poli e da prefeitura em 1995, a unidade seria encerrada em 1996. No fim de 95, todos os alunos foram informados de que no semestre seguinte teriam aulas apenas em São Paulo. Foi o fim do CAAP. Reginaldo conta que, nessa época, foi cada um por si em São Paulo: a unidade entre os alunos acabou e sobraram menos de 10 dos 60 iniciais da sua turma. Foi o fim da Poli Cubatão e o início do processo de seu esquecimento.
O que não pode ser apagado
Apesar de diversos erros de gestão por parte da Poli, que fez um modelo “improvisado” e com diversas falhas que atrapalharam a formação dos alunos, o maior problema que a escola sofreu foi no âmbito político. Para o ex-coordenador da unidade, a escolha de município para instalação foi errônea, pois acabaram se vendo no meio de “políticos que não tinham interesse nos cursos e mostravam-se completamente alheios em promover a educação no município”. Ainda assim, como haveria de ser, não se tratou de uma experiência sem saldos.
O desenvolvimento dos cursos cooperativos em Cubatão foi peça essencial para, mais tarde, transformar a engenharia química neste modelo e implantar o curso de engenharia de computação também quadrimestral na Poli. Se tais cursos hoje são quadrimestrais, é pela existência dessa unidade esquecida. Segundo Octávio Gerbasi, ex-presidente do CAAP, “todos os 15 estão bem de vida”. Karime forneceu um relato parecido e considera que o modelo é o melhor que tiveram de saldo. O sistema quadrimestral garante que o aluno saia com uma experiência profissional muito boa e, pela Poli ter sido pioneira com aqueles alunos, eles tiveram uma rápida e profunda imersão no mercado de trabalho imediatamente após a conclusão do curso.
Além disso, a Poli Cubatão foi a primeira experiência de expansão da Escola Politécnica, algo de suma importância para, anos mais tarde, a criação da Poli Santos — embora tenha sido discutida a recriação da unidade de Cubatão pouco antes da criação da unidade de Santos, possivelmente barrada por motivos políticos. Diversos paralelos podem ser traçados entre as unidades, separadas no tempo. Quais ensinamentos de Cubatão foram usados para Santos e quais, ainda assim, faltaram?
Principalmente, se a Poli Cubatão teve tal relevância para a estruturação de cursos, para a expansão da Escola, para a história da Poli em si, como ela foi parar no esquecimento? Não é correto que um pedaço da história da Poli tenha se “perdido”: mesmo com os avanços da internet, ainda hoje mal se encontram informações sobre essa unidade. Com seus erros e acertos, a Poli Cubatão fez engenheiros de qualidade, inovou em cursos e modelos e fez história. Por tal motivo, ainda que preterida, não poderá ser jamais esquecida.
Agradecimentos especiais, pelas entrevistas, conversas e apoio: Karime Abib, Marcos Achado, Octávio Gerbasi, Plínio Guimarães, Reginaldo Inojosa (ex alunos), Rodryell Pivato (grande interessado na Poli Cubatão), Antônio Massola (coordenador da Poli Cubatão), Roberto Ortega (equipe editorial d’O Politécnico).
Arthur Belvel Fernandes,
Engenharia Mecânica, 2º ano
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