Trinta e cinco. Um número alto ou baixo? Alguns engenheiros talvez diriam que precisariam de um referencial para responder essa pergunta. Trinta e cinco no mundo das frações, no mundo dos infini decimais é quase comparável aos milhões, ou até mesmo aos infinitos. Todavia, quando comparado ao número de mortos por covid ele parece ínfimo. Uma pergunta tão simples como uma dualidade de muito ou pouco é na verdade tão difícil de responder.
Diante da necessidade de um referencial, propõe-se um parâmetro: Trinta e cinco anos. Os mesmos engenheiros diriam que ainda precisam de um referente para isso. Trinta e cinco anos no tempo de vida de uma borboleta são séculos, mas comparado a história do universo não chega a um segundo. Então diante de tantos entretantos, é dita a especificação final: um tempo de vida de trinta e cinco anos, é alto ou baixo?
Com tal expectativa de tempo uma parcela teria mais quinze anos de vida, outra dez ou cinco e alguns (muitos) estariam devendo anos para a vida, burlado o sistema de alguma forma. Trinta e cinco é pouco, muito pouco, quando comparado aos sonhos que deixariam de existir se todo esse tempo fosse perdido. É tão pouco que não supera a metade do que a maioria deseja experienciar. É pouco o suficiente para ser considerado uma tragédia.
Imagine-se você, leitor, com tal idade. Quais sonhos já teria realizado? Quais ainda sonharia realizar? É uma atividade difícil, e mais do que isso, é assustador pensar que esse seria o teto do seu tempo e de tudo. Uma expectativa de vida de trinta e cinco anos é um desastre, e quanto mais se pensa nisso mais profundo torna-se o buraco. Contudo, não é preciso ir a outros universos, continentes ou séculos para encontrar tal número, ele está do nosso lado, o tempo todo, silenciado, reprimido. Entre choques e absurdos, trinta e cinco anos é a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil.
Um novo número, vinte e seis, e sem tempo para reflexões a cerca de referentes: vinte e seis horas. Um pouco mais que um dia, tempo o suficiente para estudar na véspera de uma prova, maratonar uma série ou até mesmo ficar no ócio. Vinte e seis horas é pouco, pouco o suficiente para beirar o desperdício no dia a dia. Mesmo assim, os absurdos tomaram a normalidade: A cada vinte e seis horas, uma pessoa trans é assassinada no Brasil.
Trinta e cinco, vinte e seis, números não são capazes de representar a angústia, o ruído, o vazio que eles simbolizam. Quantas mais pessoas, mais amores, mais lutos serão precisos para que esse som que ecoa seja finalmente percebido. Quantos mais precisam perder alguém, quantos precisam sofrer apenas por terem amado. Por que a coragem, ao invés de ser recompensada, é punida, afetando todos ao redor.
E assim se perpetua a cultura de agressão, segregação e estranhamento não só de pessoas trans, mas de toda a comunidade LGBTQIA+. O Brasil continua sendo um dos países que mais discrimina e assassina pessoas LGBTs ao redor do mundo, e ainda assim essa pauta é tratada com descaso, e não raro, desrespeito. A sub-representação política de toda a comunidade ainda comina na perpetuação desse desastre.
Todo esse cenário pré-existente ainda foi agravado pelo contexto do isolamento social, que trouxe um desmonte de campanhas que incentivassem denúncias de casos de violência contra o grupo. Isso sem mencionar o impacto psicológico que toda a pandemia exerce, o que provocou um distanciamento ainda maior de não só as pessoas LGBT como também todas as minorias que sofrem com a falta de sociabilidade, devida principalmente pelo preconceito e a segregação.
Daí fica evidente a real importância de coletivos e de comunidades que acolham todas essas pessoas. São nesses ambientes criados, que há o combate a esse isolamento, dando liberdade para seus participantes compartilharem suas inseguranças, ânsias e desabafos com alguém que passou algo parecido. Esses espaços são essenciais para que exista a segurança de reportar e denunciar qualquer caso de violência e discriminação, de forma a enfrentar o silêncio ensurdecedor que todo o cenário caótico proporcionou.
Como uma rosa que nasce em meio as rachaduras do asfalto a comunidade LGBT floresceu, acolhendo e abraçando aqueles que sentiam-se isolados, menosprezados e diminuídos. Marcos como alcançar 3 milhões de pessoas em uma manifestação e a luta para a criminalização da LGBTfobia mostram que dentro de toda essa guerra, ainda existe alguma luz, algumas vitórias, embora toda a luta esteja longe do seu fim. Pequenas faíscas são capazes de manter o fogo da luta aceso, e assim buscar-se fazer um movimento tão forte para que seja impossível fechar os olhos.
É preciso coragem, para lutar contra a maré, se sentir estranho, isolado muitas vezes. É preciso coragem para conseguir compartilhar suas lutas, suas vitórias e derrotas, se aceitar e se abraçar. É preciso coragem para amar. Trinta e cinco é pouco, muito pouco, quando comparado aos sonhos e paixões que deixariam de existir caso esse tempo fosse perdido.
Texto anônimo. Colabore você também!
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