O Politécnico viu: Retrato de uma jovem em chamas

Adèle Haenel em cena de Retrato de uma jovem em chamas (Reprodução)

Héloïse (Adèle Haenel) está prometida para um jovem milanês. Por causa disso, sua mãe encomenda um retrato seu para Marianne (Noémie Merlant), contra a vontade da filha, a fim de convencer o pretendente a se casar com ela. De dia, a pintora finge ser dama de companhia de Héloïse, ao passo que estuda minuciosamente sua musa para compor o quadro em sigilo durante a noite. Aos poucos, a relação das duas fica cada vez mais íntima. Temos o nosso filme.

Retrato de uma jovem em chamas (2019) é dirigido e roteirizado pela francesa Céline Sciamma, também responsável por Lírios D’água (2007), Tomboy (2011) e Garotas (2014). Nesta obra, situada na França de 1770, Céline parte dos elementos mais simples (água, ar, terra e, claro, fogo) para inserir o espectador (e as personagens) na trama. A diretora, aliás, faz questão de posicionar a câmera de forma que o público tenha, justamente, a constante sensação de ser uma terceira parte daquele ambiente. Ao passo que Héloïse desvenda seu rosto, Marianne deixa de lado o papel imposto pela mãe de sua musa, e o público as vai conhecendo ao mesmo tempo em que elas vão se descobrindo — nem antes, nem depois.

Por meio da composição dos retratos, marcos do filme, a diretora propõe diversas discussões, como a relação artista e musa e as convenções artísticas tradicionais, além da relação pessoal desenvolvida por meio da arte e a pintura como fonte de lembrança e de memória afetiva. E essa discussão transcende a poesia visual de Céline, sendo que a composição musical e os paralelos com a literatura, por exemplo, são dois dos pilares responsáveis pelo funcionamento da obra. Vivaldi, Orfeu, Eurídice… Céline não economiza nas referências artísticas.

Nesse sentido, Retrato de uma jovem em chamas esbanja cores, com uma série de composições abertas, responsáveis por mostrar todo o espaço e a natureza presentes na locação, em um contraste que não compromete em nada a atmosfera sufocante e opressora pretendida. Nesse dilema, as personagens se encontram desesperadas diante da iminente separação, sabendo que a memória daquele instante será consolidada como seu bem mais precioso. Em determinado momento, Héloïse, inclusive, chega a elucubrar a respeito do mito de Orfeu e Eurídice, alegando que o filho de Apolo olhou para a Eurídice porque “Ele preferiu viver com a memória da amada”.

Assim, a corrida contra o tempo dita o desenrolar da trama. Elas devem aproveitar ao máximo o curto tempo que têm, da mesma maneira com que a diretora aproveita as curtas duas horas de filme para desenvolver a narrativa.

Para além dos pontos fortes técnicos, esse ensaio visual sobre o ato de se apaixonar e a intelectualização do afeto é aclamado pela crítica, principalmente, pela forma com que a diretora trabalha o olhar e a captura das emoções. Os sentimentos variados têm impacto direto na construção de cada uma das cenas, sendo que pequenos detalhes, como um simples sorriso, um piscar de olhos ou uma mordida nos lábios, influenciam diretamente na experiência final do filme.

Apesar de não ter sido o escolhido da França para a premiação do Oscar, Retrato de uma jovem em chamas foi selecionado para competir para o Palme d’Or no Festival de Cannes de 2019. Nessa cerimônia, venceu a Queer Palm, tendo sido o primeiro longa dirigido por uma mulher a ganhar a categoria, e, além disso, Céline Sciamma foi a vencedora do Prêmio de Roteiro.


A delicadeza e a formosura são aspectos intrínsecos de todas as cenas, passagens, trilhas sonoras e fotografias do filme, que desenvolve um romance abarcado de arte e de profundo sentimentalismo que atravessa a tela e alcança o espectador de forma uníssona e confortável.

A trama do filme revela em primeiro plano a abordagem da conjuntura social do século XVIII, trazendo todo no drama os dilemas sociais vividos e esperados para as mulheres da época. Contudo, ao desenvolver a história, o romance, que representa toda a quebra de estigmas comportamentais, a negação ao casamento, a busca pela liberdade e o encontro da liberdade no mesmo meio avassalador é um ponto cativante do filme. 

Ele trata o envolvimento amoroso com uma simplicidade que conquista o espectador, atitude que no sigilo e no silêncio cria faíscas.

Nota: 9,5
Bárbara Prearo,
Engenharia Metalúrgica e de Materiais, 3º ano.


Retrato de Uma Jovem em Chamas é o filme mais feminino e sem estereótipos que eu já assisti em toda minha vida. Ele tem muitos pontos fortes e o maior deles, na minha percepção, é a tamanha intensidade com uma sutileza impressionante em que o filme retrata cada uma das emoções. 

O filme acontece de uma forma mais lenta, e esse ritmo de narrativa é crucial para que a história funcione. Afinal, o enredo não é baseado em acontecimentos e reviravoltas, e sim sobre todo o processo e cada um dos sentimentos de se apaixonar, ainda mais por um amor proibido e perigoso. Além disso, outros pontos muito fortes do filme são a visão sem fetiches masculinos de um relacionamento lésbico, a passagem de sentimentos sem a necessidade de grandes diálogos — então, quando algo é dito, se torna muito mais impactante — e o quanto o filme é lindo esteticamente falando.

Nota: 9
Beatriz Gaya,
Engenharia de Produção, 2º ano.


Como representar a experiência feminina? É possível, em uma só obra de arte, captar a essência do que é ser mulher? Existe realmente uma essência do que é ser mulher? Ora, existem tantas mulheres no mundo, todas com sua cultura, história, personalidade, aparência… O que nos une além do gênero? 

O filme Retrato de uma Jovem em Chamas parece, inicialmente, conter uma premissa simples, retratando as adversidades enfrentadas por diferentes mulheres do século XVIII, em posições sociais e profissionais distintas. À medida que a história é desenvolvida, essa premissa não se modifica exatamente, porém é construída de uma forma que, mesmo não apresentando nenhum fator que fuja da realidade ou um grande plot twist, surpreende e desperta sentimentos e reflexões, tudo isso com uma sutileza e delicadeza de tirar o fôlego.

Em um dos diálogos que, para mim, se tornou o mais marcante, uma das personagens principais, a pintora, fala para sua modelo: “Desculpe-me, não gostaria de estar no seu lugar”. A isto é respondido: “Nós estamos no mesmo lugar. Exatamente no mesmo lugar”. Para mim, esse diálogo, assim como todo o roteiro e recursos visuais do filme, serve não apenas para desenvolver a trama principal do romance entre as duas, mas também levanta todas aquelas questões iniciais que coloquei no texto. 

Naquela situação, são duas mulheres diferentes. Uma está pintando, a outra posando. Uma está em pé, a outra sentada. E por que é dito que estão no mesmo lugar? A modelo explica que, assim como a pintora presta atenção e registra seus sentimentos e reações, ela mesma faz isso com a outra, do lugar onde está. Elas não são iguais, não estão na mesma situação social, não têm os mesmos problemas… O que as une é a compreensão mútua, a empatia, e o entendimento de que ser mulher tem uma contribuição na história e individualidade de cada uma.

Eu poderia elogiar diversos elementos desse filme: direção, fotografia, roteiro, a performance das atrizes principais e sua química inegável. Todas as cenas pareciam ter um significado e um porquê, me remetendo às pinceladas de uma bela pintura. O conjunto desses fatores contribuiu na construção de uma obra que me entreteu — porém foram os sentimentos despertados em mim como mulher e, em segundo plano, como pessoa LGBT, que determinaram uma obra que me cativou.

Nota: 10
Rebeca Rodrigues,
Engenharia Naval, 4º ano.


Algumas peças cinematográficas são delicadas, demoram para pegar seu ritmo e construir sua primorosa história. Na primeira cena de Retrato de uma jovem em chamas, temos uma aula de arte, em que uma aluna, curiosa, pergunta sobre um dos quadros em exposição na sala — em uma das minhas ferramentas favoritas de conduzir a história —, o que puxa a linha para o restante do filme.

A peça tem mensagens e imagens fortes, que se conectam em diferentes momentos e te fazem refletir sobre o contraste, por vezes — o espectador irá perceber no momento exato que irá assistir.

A trama se desenvolve e termina de uma maneira que torcíamos para não acontecer, mas se prova inevitável — assim como o destino de todas as mulheres da época. 

Nota: 9
Samira Paulino dos Santo
Engenharia de Materiais, 3º ano.


Retrato de uma jovem em chamas retrata mais de uma jovem em chamas. Se cabe ao filme alguma crítica, essa é a única que eu poderia esboçar…

Irretocável, a obra carrega consigo muita beleza, trata com delicadeza os mínimos detalhes e dá significados a olhares, soluços chorosos e ao constante som de chamas. No enredo, a  menor das miudezas tem seu valor: uma frase banal do início pode conter o cerne do fim e assim é bordada uma obra entrelaçada em simplicidades e profundezas.

Questionando despretensiosamente a linha tênue entre o amor fraterno e a paixão, o romântico e o carnal, a solidão e a companhia, quem assiste sente-se gradualmente tomado pelo filme e seus mistérios.

Retrato de um jovem em chamas parte de três mulheres em chamas para clamar à espectadora retratação com seu fogo interno também, afinal, a chama se expande em nós. 

Retrato de uma jovem em chamas é sobre mais de uma jovem em chamas e isso não pode ser uma crítica.   

Nota: 9,6
Veronica Duval,
Engenharia de Produção, 2º ano.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*