Nesta segunda-feira (17), o cenário de Counter Strike e de eSports brasileiro foi marcado por um dos maiores eventos em toda a história. Na partida entre Imperial e Cloud Nine, o streamer Gaules bateu o recorde brasileiro de espectadores simultâneos na Twitch, com mais de 710 mil viewers assistindo a vitória brasileira contra o 4º maior time do mundo. A comoção deu-se principalmente pela paixão brasileira ao time Imperial, cujos integrantes foram responsáveis pela criação e fortalecimento da comunidade de eSports no Brasil. Um elenco que, em 2016, ao vencer o mundial, fez barulho o suficiente para obrigar todo o cenário internacional a virar os olhos para o nosso país, contando assim uma das mais belas narrativas da história das competições esportivas.
Não é possível entender o peso do recorde desta semana sem antes entender toda a trajetória brasileira no cenário de CS:GO.
O Brasil já possuía história com o CS 1.6, jogo que originou o CS:GO, contando com diversos títulos regionais, pan-americanos e até mundiais. Existiam também com diversos jogadores estrelas, alguns que permanecem no cenário até hoje, seja como atleta, coach ou criador de conteúdo. Contudo, essa comunidade, junto com o jogo antigo, foi se dispersando e dividindo conforme o tempo foi passando. A falta de atualizações ou de campeonatos acabou por enfraquecer o cenário nacional e internacional do jogo antigo.
Somente o lançamento de CS:GO (Counter Strike: Global Offensive) que foi capaz de reunir novamente toda aquela antiga comunidade, com agora um novo objetivo em mente: conquistar um major nesse novo cenário. Essa união já exerceu impacto logo no lançamento do jogo, quando houve uma movimentação massiva brasileira para que a desenvolvedora Valve disponibilizasse servidores na região sul-americana. Todo o cenário, não só desse FPS, mas de qualquer outro esporte eletrônico era extremamente eurocêntrico, desconsiderando as demais regiões. Contudo, por alguma razão, a gana brasileira insistia em se esgueirar pelas lacunas e conquistar o seu merecido espaço.
Uma personalidade indissociável a essa jornada é Gabriel “Fallen” Toledo, conhecido popularmente como “Professor”. Fallen foi o protagonista da ascensão brasileira no cenário competitivo internacional e da criação de uma cena sul-americana de CS:GO. Presente em campeonatos desde o CS 1.6, dedicou-se inteiramente a trazer o reconhecimento nacional no ambiente competitivo, além de ensinar os fundamentos do jogo para jovens talentos. Participando de pequenos campeonatos, vencendo, e aos poucos enfrentando desafios cada vez maiores, o time foi se desenvolvendo e se consolidando. Quando finalmente houve a chance de participar de um campeonato internacional, Fallen criou a Games Academy: uma plataforma que vendia aulas sobre o jogo para iniciantes, contendo desde conceitos básicos a avançados do jogo, sendo todo o dinheiro coletado usado para financiar a participação do time. Logo contaram com apoio massivo da torcida brasileira, que espontaneamente financiaram as primeiras participações nos campeonatos. De alguma forma, os vira-latas do competitivo não paravam de crescer.
Após alguns meses dessa contínua ascensão temos o clímax dessa história: a vitória brasileira no major MLG Columbus 2016. O time brasileiro era formado por Gabriel “FalleN”, Marcelo “coldzera”, Fernando “fer”, Epitácio “TACO” e Lincoln “fnx”, sob a organização da Luminosity Gaming. Ponto a ponto, round a round, o time foi avançando, com jogadas fenomenais e viradas históricas, até enfim chegar na final e num grande jogo conquistar o primeiro mundial de CS para o Brasil.
Alguns meses depois, essa mesma equipe conseguiu conquistar um segundo mundial, e após algumas mudanças, tornaram-se em 2017 o melhor time da história desse eSport. O time de uma região segregada havia se tornado insuperável, mostrando ao mundo inteiro que o esporte eletrônico não se restringia à Europa. Algumas das declarações marcam a época, como Fallen dizendo a uma repórter: “Vocês deveriam virar mais os olhos para o resto do mundo, merecemos essa atenção”.
O tempo foi se passando, e, por conflitos internos, esse insuperável time acabou se desfazendo. Alguns se afastaram do jogo, outros migraram para equipes internacionais, ou até mesmo projetos menores para sonhar em reconquistar o título mundial. Acabou que a comunidade de Counter Strike que era integralmente unida foi pouco a pouco se fragmentando e diminuindo. Surgiram alguns outros grandes times, como a FURIA, Immortals e a GODSENT, cada um com seu mérito, mas nenhum conseguiu chegar no mesmo patamar de melhor time do mundo. O espírito brasileiro se entristecia ao ver as derrotas e separações polêmicas do cenário.
Foi em meio a essa fúnebre nostalgia, esse sentimento de amargura, que surgiu um projeto: o “The Last Dance”
Três daqueles mesmos jogadores da época dourada, perto de sua aposentadoria, resolveram juntar-se novamente uma última vez, uma última dança em busca da glória de ser campeão novamente. Gabriel “Fallen”, Fernando “fer” e Lincoln “fnx” juntaram-se com Ricardo “boltz”, outro jogador histórico que fez parte da época campeã do Counter Strike nacional. Na busca de um quinto jogador, a equipe acolheu Vinicius “VINI”, ex-jogador da FURIA, time de uma escola e estilo de jogo muito diferentes, mas que vinha conquistando muito espaço no cenário internacional.
Houve um receio gigantesco com o lançamento do projeto. Muito dizia-se sobre os jogadores estarem aposentados, que fnx não jogava no cenário competitivo há 5 anos, ou que VINI não encaixavam no formato do time. Veículos internacionais de comunicação no cenário de esportes eletrônicos desdenharam do projeto, afirmando que “as chances de sucesso eram mínimas”. Contudo, indo contra as estatísticas, a organização Imperial patrocinou todo esse projeto. Por alguma razão, uma paixão brasileira misteriosa não desistia de apoiar de forma incansável a equipe.
Novamente, ponto a ponto, round a round, o time foi convencendo a torcida que ainda havia muita história a ser contada. Mesmo com derrotas no início da jornada, o time foi crescendo, primeiro com algumas vitórias e classificações para torneios, até alcançar a atual hegemonia no cenário sul-americano e a possibilidade jogar o mundial, tudo isso conquistado num curto intervalo de apenas três meses.
Quando classificados para o Legends Stage (fase com os 16 melhores times do campeonato mundial), uma repórter perguntou ao líder Fallen: “Como vocês conseguem se superar de novo e de novo depois de tanto tempo?”. O Professor sorriu e disse: “É justamente isso que significa ser brasileiro, é o nosso fogo, a nossa paixão”.
Isso nos traz ao jogo emblemático que gerou a quebra estrondosa do recorde de espectadores. A Imperial enfrentaria a Cloud Nine, quarto maior time do mundo, em um jogo cujas chances de vitória eram mínimas o suficiente para que todo o resto do mundo achasse que o jogo seria ridículo, uma lavada. Mas a torcida brasileira, com toda sua paixão, recusou-se a desistir, torcendo com toda sua força para a equipe. Já no primeiro mapa, o recorde havia sido quebrado, alcançando 540 mil espectadores simultâneos, mas foi no final do jogo que mais de 710 mil pessoas chegaram em peso para apoiar o time. Toda a torcida e esforço pelo time resultou numa vitória maiúscula, com direito a uma lavada no último mapa de 16×3, além de encantar e emocionar todos que estavam assistindo.
Muitos estrangeiros não conseguiram entender essa paixão alienada pela equipe, ou como 710 mil pessoas estariam torcendo para um time cujo as chances de sucesso eram “mínimas”. Afinal, “é isso que significa ser brasileiro”, é se apaixonar pelo time, é sofrer, é gritar, é amar ser torcedor. Como Gaules disse, enquanto se emocionava: “Só a gente acredita nessa porra, e é por isso que a gente faz virar”. Por um momento, toda a comunidade brasileira se sentiu em 2017, quando éramos ainda os melhores do mundo. Ser brasileiro é diferente, somos apaixonados, fanáticos e alienados. Não à toa nós somos a única plateia do mundo que canta mais alto que o vocalista, a torcida que mais faz barulho nos estádios e os indivíduos que mais vivem suas emoções. Ser torcedor, ser brasileiro é um patrimônio, um orgulho.
A Imperial acabou sendo desclassificada no jogo seguinte, mas isso não fez com que a torcida brasileira desistisse. Muito pelo contrário, todos entenderam que essa história está apenas começando, já que o time tem apenas 3 meses e alcançou o top 20 mundial. Com certeza novos recordes serão batidos nos próximos muitos campeonatos que virão. Também vive a torcida pela FURIA, equipe que ainda está viva na competição e carrega intensamente o sonho de ser campeã. Mas, acima de tudo, resta a nós carregarmos o valor infinito da paixão de ser torcedor.
Rafael Varanda Bernardo
Engenharia Mecatrônica, 2º Ano
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