Você tem medo?

Autorretrato como alma condenada (1619), de Gian Lorenzo Bernini (Reprodução: Bernini)
Por Rafael Varanda Bernardo — Engenharia Mecatrônica, 2° ano.

Lembro até hoje da primeira frase que escutei quando entrei na Poli. 

Após acordar atrasado para meu primeiro dia da semana de recepção online, entrei no Zoom e me deparei com algum professor parabenizando os novos ingressantes pela aprovação. De supetão me senti feliz, como qualquer um se sentiria. A aprovação na Escola Politécnica era um motivo de comemoração.

Contudo, logo em seguida, algo naquela mensagem me despertou a atenção: o tom desconfortável ao qual ele levava a fala. De certa forma parecia que apresentava uma forte resistência com aquelas congratulações. Exagerando um pouco, poderia até parecer que elas faziam parte de um roteiro, um recado artificial, uma formalidade. Mas, foi depois dessas palavras forçadas que ele disse uma frase verdadeira (e com muito prazer), na realidade, soou como se tudo que internamente ele quisesse dizer fosse aquilo. Quase em êxtase, exclamou com vontade: “Entrar na Poli é difícil, mas sair da Poli é mais difícil ainda!”.

Com a mente de bixo inocente, na hora não entendi o peso daquelas palavras, ou pior, a entonação com que eram ditas. Era doce a época em que todos os problemas da Poli ainda pareciam ínfimos com a conquista que tínhamos acabado de alcançar, quando sentíamos o valor e o orgulho de estudar na maior escola de engenharia da América Latina. Tempos inocentes no qual ainda não tínhamos medo da Poli.

Repensemos o nosso trajeto, a nossa história. Primeiro passamos no vestibular (ou na transferência), conquista que com certeza não foi fácil. Abriu-se mão de muita coisa para enfim chegarmos aqui. Depois da aprovação, recebemos os parabéns e temos o primeiro choque: os alertas por parte dos professores. 

Por alguma razão, exaltar a dificuldade da Escola parece muito mais interessante do que falar sobre o seu impacto, seu caráter cosmopolitano ou até mesmo sua incrível história. Nisso, entra a fala do início: “Entrar na Poli é difícil, mas sair da Poli é mais difícil ainda”. De onde surge essa necessidade de dar medo aos alunos, assustarem aqueles que mais sonham em realmente mudar o mundo como engenheiros? Um aluno assustado funciona melhor na didática de sala de aula?

Logo em seguida, vem o próximo impacto: o folclore dos veteranos. São inúmeras as histórias que são contadas para assustar seus bixos: “Depois da semana de P1 a fila do bandejão esvazia”, “Você precisa se referir aos professores como senhor”, “Tal disciplina tem 60% de índice de reprovação”, “Seu curso é o mais difícil da Poli”…

Aterrorizar os ingressantes com essas lendas e causos bizarros é também um extremo contribuinte para criar esse ambiente de medo. O curioso é que ninguém sabe exatamente o porquê de isso ser feito. Todos já sofreram com isso, e mesmo assim a tradição continua sendo passada adiante, de novo e de novo…

E com isso, leitor, te questiono: você tem (ou já teve) medo da Poli? Talvez medo não seja a palavra perfeita para descrever a emoção, mas com certeza você já sentiu uma angústia, uma dor no peito ou até um receio ao pensar nos seus futuros empecilhos. A Poli é um desafio, sem dúvidas, mas será que a forma com que isso é tratado não é tóxica para a convivência nesse ambiente? Professores que falam que você deve escolher entre o sono e a vida social, veteranos aterrorizando com histórias de calamidades acadêmicas e até a competição eterna para descobrir quem está com mais problemas: em que cenário isso seria minimamente positivo para a comunidade politécnica?

Te pergunto novamente leitor: você gosta da Poli? 

Não me refiro aos seus amigos, grupo de extensão ou centro acadêmico, estou falando sobre a Escola Politécnica em si, ou seja, seus professores, aulas e até provas. Uma pergunta melhor seria: você gosta de vir à Poli? Se sim, qual a razão? Tenho a impressão que o que ancora os alunos à Poli é a simples convivência em grupos ou centros (quando não se restringe exclusivamente a razões profissionais).

Em que ponto deixou-se criar uma cultura tão tóxica, que esmaga os sonhos daqueles que almejam fazer a diferença? E por que insistimos em perpetuá-la, sendo que temos consciência do quão avassaladora ela pode ser? Quantos alunos devem ter desistido do curso por medo, sem se quer dar uma segunda chance depois de um primeiro impacto? Pior que isso: quantas noites de sono foram arrancadas dos alunos devido a essa cultura?

A Poli vem mudando de perfil nos últimos anos. Por que não aproveitar o embalo e também mudar o pensamento dos politécnicos e, principalmente, a maneira que tratamos com os ingressantes? 

As coisas são mais simples do que parecem. Não é como se as histórias emblemáticas precisassem parar de serem contadas, basta mudar o tom para algo menos fatalista e pessimista. Você pode contar para o seu bixo sobre quando Fisica II teve 50% de reprovação, mas reafirme para ele que tudo vai dar certo (e que está tudo bem caso não dê).

Assustar os seus calouros com suas experiências (ou dos seus antepassados) não te torna melhor por já ter passado por aquilo. Talvez o ponto central para a percepção do problema seja facilitado quando se toma consciência que quem te escuta também é uma pessoa. Assim como você, ela sente angústia, ansiedade, tristeza e, quando aterrorizada, medo.

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