Hugo da Forja tomou um cálice de vinho, envelhecido. O doce da uva contrastava com o salgado da lágrima. Estava tão cansado. No conforto do seu aposento, suspirava enquanto olhava a janela que dava vista à uma bela parte de seu feudo. O dia estava chuvoso, frio e calmo. Por que, dentro do salão mais confortável de seu castelo, protegido da chuva e com um cálice que muitos do seu reino sequer sonhariam em comprar um dia, Hugo chorava? Não estava vivendo o seu sonho de infância?
O nobre cavaleiro chorava porque estava exausto. De que, se nem precisou levantar sua espada hoje? Eram as últimas expedições não bem sucedidas? As batalhas com maus resultados? A ferida adquirida na semana passada? Ou ainda o fato de ser apenas um cavaleiro menor dentro do reino, desconhecido pela rainha que tanto admirava? Ao se levantar de sua poltrona e ir à janela, por um momento o melancólico esqueceu de parte de seus problemas, enquanto observava o cair das gotas.
Hugo levantou um breve sorriso ao lembrar de um dia com clima semelhante na sua infância, quando era apenas o filho do ferreiro, sem grandes obrigações senão viver. Ah, o quanto aquele jovem Hugo sonhava! Que garoto inquieto, que lutava por suas conquistas ainda pequeno, treinando com espadas pesadas e quase maiores que ele… aquele Hugo era feliz. Nada derrotava aquele menino. Seu sonho era se tornar um nobre cavaleiro, um paladino, e sua teimosia fez com que escolhesse o caminho mais difícil. Do treinamento mais pesado, com as aventuras mais perigosas, o pequeno parecia sempre disposto. Nunca parou, nem mesmo quando devia. Enfrentava tudo com um sorriso, pensando no dia que teria seu título concedido.
Mas, essa imagem romântica é real? Será que o herói na sua memória de fato existiu? Não houve algum momento em que o filho da forja quis parar? Dos rivais que enfrentou, nenhum pareceu grande até demais? Nunca teve pensamentos sombrios, desejando voltar atrás? Nunca chorou ao se dar conta de que seu sonho parecia inalcançável? E se, na verdade, a jornada de Hugo sempre seguiu um ritmo, e agora apenas parece estar impressionantemente difícil? O que será que o garoto fazia para ignorar o tamanho de seus desafios? Ele de fato ignorava, ou apenas aprendeu a conviver com o peso de sua jornada heróica? Se essa última é verdadeira, como retomar essa habilidade? Esse poder foi perdido no meio do caminho?
Muitas foram as perguntas que surgiram em sua cabeça, uma após a outra, de forma que o cavaleiro se percebeu assombrado por sua própria consciência. Agora já era tarde demais para apenas observar a natureza em paz. Na verdade, há muito tempo isso não acontecia.
Será que algum dia sua vida será mais fácil? Ou a dificuldade está a crescer muito mais? Desistir de seu título e se jogar nas terras sombrias que circundam o feudo é uma opção? Se, em sua infância, tivesse recebido a visita do vidente do vilarejo e contemplasse uma visão revelando todas as dificuldades que chegariam em seu destino, o pequeno espadachim teria desistido se sua aspiração? Será que também lhe seria revelada uma vida feliz, com a superação de seus novos desafios? Quando essa chuva cessará? Por que, de repente, sua nova vida, diferente de tudo que até então havia passado, se assemelha aos momentos de sua infância e adolescência?
O mundo parece maior a cada ano que passa, cada vez é mais complexo do que o pequeno reino em que viveu até ser nomeado como sir. É estranho imaginar que, após tantos anos de experiência e conhecimento, o nobre parece pequeno, fraco demais para os ataques de espada que o atingem. Apesar de seus treinos e suas aventuras, parece que não foi suficiente. Após tanto tempo, Hugo não parece sequer conseguir segurar um escudo. Seria isso um bizarro treinamento, dessa vez sem a segurança de ser atingido por madeira, mas sim pelo frio e fino aço? E, como todo o treinamento que já passou, também nesse o nobre descobrirá como passá-lo?
Hugo, então, decide lavar o rosto, encara um espelho polido, e enxerga um garoto meigo. O nobre percebe que, após tanto tempo, tanto sangue e suor, debaixo de suas vestes e seus pelos faciais, ainda havia o menino que queria se tornar cavaleiro.
Murilo Ferreira Noronha
Engenharia de Produção, 2° Ano
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