Todos contra Bolsonaro? 

Jair Bolsonaro em debate na Band (Reprodução: TV Bandeirantes)
Por Mateus de Pina Nascimento — Engenharia Mecatrônica, 2° ano.

No último domingo (28), ocorreu o primeiro debate dos candidatos à presidência do Brasil, organizado pelo pool composto por UOL, Band, Folha e TV Cultura. 

Dentre as quase três horas de programa, um momento se notabilizou: a jornalista Vera Magalhães perguntou ao candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL), com comentário de Ciro Gomes (PDT), a respeito da preocupante diminuição da cobertura vacinal no Brasil, em grande parte devido à campanha de desinformação patrocinada pelo próprio presidente e por seus pares.

Bolsonaro sequer chegou a responder à pergunta e usou seu tempo de fala para atacar a jornalista de maneira vil, asquerosa e, claro, misógina, como lhe é característica: “Acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão em mim. Não pode tomar partido num debate como esse. Fazer acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro.”, disse o presidente. Bolsonaro aproveitou para atacar também a candidata Simone Tebet (MDT), chamando-a de “uma vergonha no Senado Federal”.

Apenas a candidata Soraya Thronicke (União Brasil) e a própria Simone Tebet (não à toa, as únicas mulheres presentes) rechaçaram de imediato a postura do presidente. Ciro riu e balançou com a cabeça, indignado, chegando a dizer algumas palavras (inaudíveis) enquanto o presidente as atacava; entretanto, só trouxe o assunto à tona de fato no bloco seguinte, após o intervalo. Lula (PT) mencionou seu apoio à Vera apenas nas considerações finais. Luiz Felipe d’Avila (NOVO), então, nem se deu ao trabalho de se manifestar.

Logo após o ocorrido, quando enfim teve seu microfone aberto, Ciro afirmou querer reconciliar o Brasil, criticou o nível de agressividade de Bolsonaro brevemente e logo mirou as armas de volta no PT, atacando a polarização, sua principal estratégia de campanha: “Ainda agora, vinha entrando aqui na Bandeirantes, e estava lá a turma do PT, batendo no carro, atravessando bandeira. Eu conheço isso. Isso vai produzir coisas que o Brasil não merece. Nós precisamos restaurar a paz, reconciliar o Brasil ao redor de um novo e generoso projeto de nacional-desenvolvimento”, contou o candidato.

Houve um ataque ao vivo a uma jornalista e o debate continuou como se nada tivesse acontecido, como se aquilo fosse parte do jogo. E mais: um dos candidatos usou o episódio como escada, apenas para poder falar sobre o que interessava à sua agenda. É, no mínimo, impressionante.

Ainda neste mês, no dia 11 de agosto, houve a leitura da “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito”, que contou com as assinaturas de Lula, Ciro Gomes, Simone Tebet, Soraya Thronicke e Felipe D’Ávila — isto é, todos os presidenciáveis presentes, exceto Jair Bolsonaro. Além disso, os candidatos Sofia Manzano (PCB), Leonardo Péricles (Unidade Popular) e José Maria Eymael (Democracia Cristã) também foram signatários. Na ocasião, o discurso era de um “momento de união”. Será mesmo? Ou a tão consagrada união democrática valia apenas antes da campanha começar?

Em 1945, Getúlio Vargas e Luís Carlos Prestes participaram juntos de um comício no Vale do Anhangabaú. E por que isso importa? Bom, Prestes, que tentou derrubar o governo de Getúlio com uma revolução comunista, foi preso por nove anos. Além disso, sua esposa, Olga Benário, foi extraditada grávida para a Alemanha Nazista. Olga era comunista e judia, e foi morta em um campo de extermínio. Mesmo assim, anos depois, Prestes subiu com Getúlio em um palanque na tentativa de viabilizar uniões políticas para voltar à legalidade durante a ditadura militar de Eurico Gaspar Dutra.

Já em 1964, Carlos Lacerda participou das articulações conspiratórias que precederam o golpe militar e que depuseram João Goulart do poder, acreditando que os militares convocariam eleições democráticas no ano seguinte. Três anos depois, Lacerda se uniu a Juscelino Kubitschek e João Goulart na Frente Ampla contra a ditadura militar. Ora, e por que Jango aceitaria se aliar a um dos golpistas de seu próprio governo? O que ele ganharia com isso? Simples: a democracia.

Por fim, vale citar a Aliança Democrática, que, em 1985 entendeu que a única maneira de enfraquecer de uma vez por todas os generais e garantir a redemocratização era dividir o palanque com pessoas que compuseram o partido da ditadura. E foi o que eles fizeram. E, por causa disso, há uma Constituição democrática no Brasil hoje.

Qual a principal semelhança entre esses três episódios? Todos tinham como princípio básico a defesa de valores democráticos. Nesse sentido, é notável que o sucesso de alianças como essas se dá necessariamente quando os líderes políticos são capazes de deixar de lado as mágoas e intrigas, em nome de um objetivo maior.

Voltando ao debate, é impressionante como, ao fazer uma simples e necessária pergunta, a jornalista Vera Magalhães — a quem, claro, registro a mais profunda solidariedade —, foi capaz de revelar a natureza sociopata do excelentíssimo presidente da República e evidenciar que o tema pandemia é sua principal fraqueza discursiva. Tebet, principalmente, foi muito bem em explorá-la. E outros deveriam ter se unido a ela.

No final de contas, havia, sim, uma polarização no debate de ontem: de um lado, cinco candidatos democráticos, disputando a presidência do Brasil; do outro, a mais absoluta barbárie. Porque Bolsonaro imitou pessoas sufocando, ironizando a pandemia. Porque Bolsonaro negou vacinas eficazes e tentou comprar doses superfaturadas e sem comprovação científica. Porque Bolsonaro incentivou a automedicação preventiva com remédios ineficazes. Porque Bolsonaro considera o torturador da ditadura militar um “herói nacional”. Porque a Família Bolsonaro acumula indícios de envolvimento com milicianos. Porque Bolsonaro é racista. Porque Bolsonaro é homofóbico. Porque Bolsonaro é machista. Porque Bolsonaro começou o discurso final do debate citando um lema comprovadamente fascista. Porque Bolsonaro é, acima de tudo, uma ameaça constante à democracia.

É normal (aliás, primordial) desenvolver um senso crítico, discordar das propostas desse ou daquele candidato e debater (de maneira civilizada) o futuro do país. Entretanto, é importante compreender que não há o menor nível de comparação entre Jair Messias Bolsonaro e qualquer um dos outros presentes nos estúdios da Bandeirantes. 

Todos contra Bolsonaro? 

Para isso, é necessário deixar de lado algumas coisas. Apontar o dedo para quem apoiou o golpe em 2016? Criticar quem chama de golpe o que aconteceu em 2016? Pedir o canhoto do comprovante de votação da última eleição? Fique tranquilo: com certeza, a sua raiva é justificável, e os seus comentários viscerais nas redes sociais, perfeitamente compreensíveis. Entretanto, tudo isso é secundário neste momento.

É necessário manter o foco. Há muita coisa em jogo.

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