Voto (in)útil

Cabina de votação da urna eletrônica (Reprodução: Getty Images)
Por Por Luiz Antônio Melo — Engenharia Elétrica, 2º ano.

Nos quase 35 anos desde o fim da ditadura, o Brasil mostrou que gosta, geralmente, de ter mais tempo para decidir seus presidentes. Isso observa-se desde 1989, quando ocorreu a primeira eleição presidencial direta pós-redemocratização. Das 12 eleições presidenciais até então, em apenas duas ocasiões o pleito foi decidido no primeiro turno — em 1994 e 1998, nas quais Fernando Henrique Cardoso se sagrou vitorioso duas vezes sobre Lula.

Estamos a  um dia do primeiro turno das eleições de 2022, reta final de uma campanha que possui um equilíbrio de forças diferente, com um coeficiente muito grande de hostilidade e, em especial, uma ameaça à democracia propalada por setores da extrema-direita liderados pelo atual mandatário do país. Com essa situação delicada, muito vem sendo discutido sobre voto útil, ou seja, votar não necessariamente na candidatura à presidência que mais representa o seu projeto de país, mas em uma que derrote essa tentativa de implementação de um projeto totalitário. 

Como bom politécnico, trago os números: a pesquisa Datafolha do dia 29/09/2022, registrada no TSE sobre o n°BR-09479/2022, traz Lula (PT) na liderança, com 50% das intenções de voto. Na sequência, temos Jair Bolsonaro (PL), com 36%, Ciro Gomes (PDT), com 6% e, completando o pelotão de frente, Simone Tebet (MDB), com 5%. Vale ressaltar, como ensinou minha fabulosa professora de Estatística, que a pesquisa possui índice de confiança de 95% e margem de erro de 2 pontos para mais ou para menos.

Vamos à análise: para uma vitória no primeiro turno, Lula precisa de 50% + 1 dos votos válidos, ou seja, excluídos brancos e nulos. Sua porcentagem e a de seu principal oponente, o atual presidente Bolsonaro, estão muito bem sedimentadas, com eleitorados que realmente se identificam e militam junto aos seus candidatos. Nesse ponto, a sutileza reside no fato de que o eleitor médio de Tebet e, especialmente, o de Ciro, é do campo que rejeita Bolsonaro, mas também rejeita Lula, e busca uma alternativa além dos polos. Em uma eleição como essa, uma parcela desses 11% pode ser a diferença entre salvaguardar a democracia logo no dia 2 de outubro, ou esperar mais três tumultuadas semanas para fazê-lo, e, assim, nasce um movimento.

Respaldado em outras realidades estaduais, o movimento de incentivo ao voto útil cresce de forma exponencial agora também na eleição presidencial. Um dos exemplos mais caricatos de como essa realidade se instaurou no inconsciente político é a corrida pelo Senado no Distrito Federal, na qual a pesquisa IPEC BR-07755/2022 aponta empate técnico, com 28% das intenções de voto entre duas ex-ministras do Governo Bolsonaro, Flávia Arruda (PL) e Damares Alves (Republicanos), com Rosilene Correa (PT), em terceiro lugar, com 12%. Tendo em vista esse cenário, setores da esquerda regional estão estimulando o voto útil na candidata do PL, partido do maior rival à nível nacional, para evitar a ascensão de Damares ao Senado, haja vista que ela possui pautas de costumes muito fortes e menos capacidade de diálogo com outros setores, ao passo que Flávia se mostrou mais moderada e menos ideológica do que sua ex-colega de Executivo Federal.

Entre os defensores dessa estratégia eleitoral, existem os argumentos de “escolher o mal menor”, ao optar por candidatos mais moderados que possam afastar os extremos e também o de escolher candidatos que possuam a digital democrática em suas candidaturas, ou seja, é melhor escolher alguém que eu discordo em um nível democrático em detrimento a alguém que nem em democracia acredita. Por outro lado, quem se opõe ao voto útil clama por sua autonomia em escolher o candidato que acredita melhor lhe representar e que essa é uma narrativa criada por poderosos grupos políticos com o intuito de cooptar o poder ao desincentivar que os eleitores votem em candidatos que não são aliados.

Seja como for, essa eleição possui um fator que a diferencia de todas desde a redemocratização: o risco que a democracia brasileira corre com a manutenção no poder de uma facção política, liderada pelo atual mandatário do país, que despreza as instituições e o Estado democrático de direito. Sabe-se como um segundo mandato de um governo com tendências autoritárias se encaminha para ser pior do que o primeiro, já que agora seu chefe foi “referendado” e aprovado pela população. Exemplos como o da Hungria, comandada por Viktor Órban, cujo país foi rebaixado pela Comunidade Europeia de uma “democracia plena” para uma “autocracia eleitoral”, e da Rússia, na qual o jornal Novaya Gazeta do atual vencedor do Nobel da Paz, Dimitri Muratov, foi fechado por criticar o governo de Vladimir Putin, jogam luz no que pode ser do Brasil nos próximos anos se não houver alguma mudança na esfera política.

Por fim, fica o apelo: amanhã, no dia 2 de outubro, vá às urnas e cumpra o seu dever como cidadão, e dê seu voto, seja ele útil, por convicção, por amor ou por desprezo, mas não deixe de se colocar perante a sociedade porque, para quem não sabe onde vai, qualquer caminho presta, e eu tenho total certeza que você que lê esse texto não deseja que o Brasil fique largado à sua própria sorte em um caminho qualquer.

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