Patriotas contra a Pátria

Bolsonaristas em invasão aos Três Poderes (Divulgação: Agência Brasil)
Por Henrique Gregory Gimenez (Engenharia de Computação, 2º ano)

No dia 6 de janeiro de 2021, os norte-americanos presenciaram um dos momentos mais sensíveis de sua democracia, quando grupos extremistas apoiadores do ex-presidente Donald Trump invadiram o Capitólio dos Estados Unidos, alegando fraudes no processo eleitoral de 2020. Quase dois anos depois, no dia 8 de janeiro de 2023, um evento semelhante acontece em solo brasileiro, terroristas adeptos ao bolsonarismo realizam um atentado aos três prédios mais importantes da República: o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. 

Existe aqui uma clara diferença entre os dois cenários que reside principalmente na fragilidade das instituições democráticas brasileiras. Afirmar que foi um ataque espontâneo é mera ingenuidade, o evento presenciado é resultado do apoio ou, pelo menos, da complacência das forças do Estado que foi aparelhado pela extrema-direita durante o último mandato presidencial. Existiam aqueles que acreditavam que o fenômeno norte-americano jamais poderia se repetir na nossa nação (confesso que talvez me incluísse nesse grupo por algum tempo, que inocência a minha!), uma vez que o bolsonarismo aparentemente tinha esvaecido após as eleições — algo fortalecido pela fuga de Jair Bolsonaro para a terra do Mickey Mouse. O prenúncio da tragédia estava diante de nossos olhos e preferimos não enxergar: a atmosfera de medo já pairava desde a posse presidencial no dia 1 de janeiro.

Prefiro não subestimar o nosso caro leitor e poupá-lo de notas de repúdio ou argumentar por que os eventos configuram o maior crime contra a democracia moderna, caso ainda tenha dúvidas leia os artigos 359-L e 359-M do decreto-lei n° 2.848 do Código Penal. Acredito que seja de maior relevância para a comunidade politécnica, que valoriza o raciocínio lógico e crítico, tentar compreender as raízes do problema que consistem na vulnerabilidade das entidades democráticas e no modus operandi bolsonarista.

Para tentar compreender as motivações, é importante retomar alguns eventos-chaves que fortaleceram a falta de segurança do Distrito Federal. O ponto de partida se deu quando Ibaneis Rocha, governador do DF, em novembro de 2022 enviou uma MP que pedia o aumento salarial em até 18% dos funcionários de segurança. Esse ato, em primeira instância, pode parecer totalmente desconexo com o restante do cenário. Todavia, é por meio de medidas como essas que o ex-governador busca fortalecer a sua base política e, em teoria, evitar insurreições  — algo que é oposto ao que foi visto, quando foram noticiadas cenas de inação policial e, até mesmo, escolta dos terroristas. Ademais, pouco tempo depois o mesmo Ibaneis Rocha nomeia o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres, para comandar a secretaria de segurança do Distrito Federal. É de extrema importância notar que Anderson Torres também demonstrou simpatia a Roberto Jefferson (apoiador do ex-presidente Bolsonaro) na ocasião em que este atacou policiais federais que vinham realizar a prisão em sua residência com fuzil e granadas. A soma desses fatores resultou nas cenas anteriores ao dia 8 de janeiro, que pressagiaram o caos, como o bloqueio de rodovias e destruição de patrimônio público e privado em Brasília com total impunidade dos responsáveis.

Paralelamente, na instância federal, uma desordem incomensurável. Se você entrar em qualquer rede social, com certeza irá testemunhar inúmeras pessoas que afirmam que Jair Bolsonaro é inocente dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Contudo, a aparelhagem da justiça brasileira em prol do bolsonarismo é muito anterior, a partir de quando Bolsonaro indica Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República em meados de 2019. Aras é responsável por barrar inúmeras investigações contra o ex-presidente e seus familiares, bem como se demonstrou completamente omisso em relação aos ataques contra as urnas eletrônicas e desarticulou diversas acusações contra apoiadores de Bolsonaro que realizavam ataques diretos à Constituição na mídia. Não só isso, mas também Jair Bolsonaro pôde indicar dois ministros para o Supremo Tribunal Federal, a fim de proteger a si mesmo e simpatizantes de suas políticas radicais, que são Kássio Nunes Marques e André Mendonça, sendo o último responsável pelo maior número de suspensão de processos. André Mendonça suspendeu recursos do inquérito das fake news e dos atos inconstitucionais de 7 de setembro (que pediam golpe militar e retorno do AI-5). Nesse sentido, é notória a aparelhagem do Estado em favor do fascismo pregado por Bolsonaro, de modo a garantir a impunidade dos extremistas e fragilizar a democracia.

Portanto, uma relação entre a lógica bolsonarista e o enfraquecimento das instituições se faz evidente. O bolsonarismo possui suas origens no fascismo, por conseguinte, é dotado dos principais elementos que configuram uma ideologia totalitária: culto ao líder, ultranacionalismo, antidemocracia, mobilização das massas, populismo, enfraquecimento dos aparelhos governamentais e uso do medo político. Ainda é possível dizer que também é um resquício da ditadura militar brasileira. Dessa maneira, as ações efetuadas pelo regime de Bolsonaro descritas anteriormente configuram um claro projeto totalitário de governo e abrem margens para a efetivação desse plano. A ascensão popular do extremismo acontece pela divulgação de notícias falsas  — lembrem-se da passividade de Kássio Nunes, André Mendonça e Augusto Aras  — e a propagação do ufanismo nacional. Sobre o último ponto, faz-se presente o discurso “Nós contra eles”, ou seja, a narrativa de que alguma entidade abstrata impediu Bolsonaro de governar ou conspirou contra ele durante as eleições (a famigerada ameaça vermelha), de maneira que uma invasão ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal seria inevitável. 

Há uma delimitação muito clara do público-alvo do bolsonarismo, uma parcela da classe média saudosista e desiludida com a política. A classe média, instigada pelo aparato de divulgação de notícias falsas, acredita veementemente que o período brasileiro pós-golpe de 64 era glorioso. Isso é reiterado pela apropriação de símbolos nacionais, como a bandeira nacional e a camiseta da seleção brasileira, por mais que haja contradição no momento em que diversas obras de artes e documentos históricos foram destruídos durante o ataque à Brasília. 

Por fim, após o ato terrorista realizado no dia 8 de janeiro de 2022, as consequências do ato são de diversas ordens: ao menos 1500 bolsonaristas presos, perdas materiais e imateriais irrecuperáveis e sobretudo o sentimento de fragilidade da democracia. As investigações e prisões irão ocorrer aos montes. É dever do cidadão e dos meios de comunicação acompanhá-las de perto e garantir a punição mais severa àqueles que atentam contra a República, sem anistia. Os desdobramentos irão repercutir por um longo período de tempo; contudo, essa ferida nunca será cicatrizada e tampouco deve ser esquecida pelas gerações futuras. O que o amanhã reserva, não cabe a mim dizer, porém abdicar da política indubitavelmente não é uma opção.

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