Fora de Contexto

Favela da Praia do Pinto (Divulgação: Acervo Biblioteca Nacional)
Por Arthur de Oliveira Rodrigues Mageski (Engenharia Civil, 1º ano)

“Fora de contexto”. Quem não ouviu estas três palavras, nessa ordem, nos últimos meses, que atire a primeira pedra… digo, instale o Twitter — depois, apague. Tenho as escutado ostensivamente ao ponto de pensar apenas nelas, esquecer o que fora antecedido e as suscitara: uma palavra non grata, uma frase das brabas. Pronto! Seguem-se as desculpas; costumeiramente, alega-se terem tirado a fala, “mal-interpretada”, do devido “contexto”. Eu concordo! Realmente, o discurso do youtuber Monark, a favor da legalização de um partido nazista brasileiro, por exemplo, foi extrapolado do seu referencial, a Alemanha nazifascista; a minuta golpista de Anderson Torres, da Ditadura Militar de 64; tuítes racistas de “influencers“, que vira e mexe vêm à tona, do Apartheid Sul-Africano. 

Parecem-me, essas justificativas, tentativas vagas de defesa que um advogado usaria para se esquivar de complicações ao alegar fatos consensuais. “Sim, meritíssima, não estamos na Alemanha da década de 30”, seria o equivalente. Em réplica, espero, teríamos: “E tratemos de que assim permaneçamos”. Concomitantemente, cuidemos, politécnicos, que tais falas e atitudes continuem fora de contexto. Pois, ao sermos absortos à linguagem matemática, pode nos parecer natural o processo de alienação às demais, principalmente às que se referem a questões socioeconômicas; é falsa, também danosa, a binariedade “exatas ou humanas”. Porém, não faltam exemplos que reafirmam este estereótipo.

Num desses dias, pesquisando um dos assuntos que mais me interessam, isto é, violência e discriminação institucionalizadas, trupiquei num documentário da TV Brasil sobre o “despejo” da favela da Praia do Pinto. Digo “despejo” entre aspas porque, na verdade, foi um princípio de fogo que logo se alastrou na comunidade, num período em que se deram diversas desapropriações controversas de favelas da Zona Sul carioca – curiosamente, o governo estava de prontidão à remoção dos moradores e ao combate às chamas. Nesse filme, um dos arquitetos responsáveis à época pela reurbanização da área e edificação do atual condomínio Selva de Pedra, localizado no bairro do Leblon, disse: “Os professores colocaram como trabalho acadêmico fazermos um estudo de urbanização do que restou do terreno depois da remoção da favela. […] O interessante é que nós, todos os alunos, tínhamos uma mentalidade tão elitista que nós projetamos o que foi feito, na realidade”. Ademais, segue: “Não foi colocada nenhuma questão da remoção. […] Não foi colocado para nós o que fizeram com essa população. Nós não sabíamos, e nós não nos interessamos. Isso que é triste, né!”. Alegou Nireu Cavalcanti, 50 anos depois, como se o fato de não os terem alertado sobre o que ocorrera isentasse-os, arquitetos e engenheiros civis da UFRJ, de suas ignorâncias e alienações ao espaço sócio-histórico e à manifestação geográfica da desigualdade social da própria cidade em que habitavam.

A caracterização de um intelectual se dá pela sua responsabilidade. Noam Chomsky, em “Quem Manda no Mundo?”, desenvolve um dos conceitos desta como o dever moral do uso de status e posição privilegiada a fim de promover ideais de liberdade, justiça e paz. Tomando-o como adequado, e assim o faço, percebe-se muitos que assumem para si tal título pomposo. Usufruem de sua condição favorecida para, ao invés de impulsionar causas nobres, servir de palanque à autopromoção e difusão de interesses privados. “Intelectual” passa, nesse sentido, a uma honraria vaidosa, em vão. Com pesar, não consigo dissociar esta observação do perfil de alguns estudantes da Poli, uma escola historicamente classista e elitizada. No curto período de tempo decorrido entre a minha admissão ao curso de Engenharia Civil e a subsequente integração aos grupos de WhatsApp, muitos foram os convites a eventos e competições relativas ao mercado financeiro. Especialmente no Brasil, esse setor tem um caráter predominantemente parasitário e exclusivo do que desenvolvimentista e inclusivo. Isto é, os que seguem esse caminho, em sua maioria, partem duma bolha diminuta e adentram noutra de proporções ainda menores. Marcam-se, assim, seus distanciamentos ao verdadeiro contexto brasileiro. Propicia-se, por fim, a proliferação de pensamentos atrozes e insensíveis às outras partes da sociedade, principalmente àquelas que, com menos, não conseguiram fazer mais.

Alguns podem alegar caber a cada engenheiro da Poli a liberdade de discernir o que fazer com a sua formação extraordinária — no sentido de, para além do ordinário, sem demasiada exaltação, quero me referir. E é óbvio que eu concordo! Contanto que esta liberdade não interfira nas demais, dos demais, assim como as do Monark, Anderson Torres e de certos Influencers, em suas atitudes já citadas, tinham a intenção de fazer. Nem como o exercício da profissão, sob uma visão ignorante e ingênua de “urbanização” e trabalho acadêmico”, fez com a população desvalida da Praia do Pinto.

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