Por Rafael Rabelo (Engenharia Elétrica, 3º ano)
É alarmante olhar para os números da Escola Politécnica da USP e notar que o número de mulheres negras já formadas não chega a 20 mesmo em 130 anos, o que é um reflexo claro de uma história de segregação que torna a Universidade um lugar reservado apenas às elites. Porém esse perfil vem mudando e levantando vários questionamentos que em seu teor carregam um problema muito profundo na Poli, que é o “Perfil de Politécnico”. Pensando nisso, quero escrever sobre a semana da consciência negra, falando sobre o coletivo e a história que ele carrega, de maneira a entender a luta que vem sendo travada e qual o movimento que está sendo construído pelas mãos negras que hoje organizam o coletivo.
O Coletivo Poli Negra nasceu em meados de 2014 e tinha como pauta principal a luta pela adesão de cotas no vestibular da FUVEST. Hoje, é organizado por alunas e alunos negros politécnicos que têm como objetivo estudar, discutir e planejar ações sobre questões raciais com foco no acolhimento dos estudantes, de modo a promover o desenvolvimento da identidade e auto estima do negro como cidadão dentro da universidade. Essa história foi construída principalmente por mulheres negras, que foram as principais responsáveis pela fundação do coletivo, pois eram as que mais sentiam as opressões e, consequentemente, mais precisavam de um espaço seguro e de acolhimento; porém irei explorar melhor essa fundação posteriormente neste artigo.
A semana da consciência negra começou curiosamente antes da própria semana do dia 20, um evento no dia 16 de novembro dentro do Escritório Piloto com textos selecionados por membros em um debate sobre questões raciais e que fazem parte de um trabalho de letramento racial que é feito dentro do coletivo, buscando um aprofundamento teórico e um debate crítico dos integrantes. Os textos estudados são de Beatriz Nascimento, Clóvis Moura e Frantz Fanon.
Na semana seguinte, na terça-feira dia 21, onde estamos realmente dentro da semana, começamos com um Cine Debate singelo dentro do Escritório Piloto com direito a pipoca e bebida. Como não é nosso primeiro debate sobre questões raciais americanas, foi muito interessante trazer o filme “Infiltrado na Klan” que, ainda que seja uma ficção, traz uma forte reflexão sobre branquitude, as organizações de opressão e a luta contra o racismo.
Dia 22 de manhã já tivemos um evento que foi um dos pontos altos de toda a semana que foi o “PN Talks”, onde foi possível trazer diversas egressas pretas da Poli e o que deixa tudo melhor foi que, apesar dos números serem escassos, todas as convidadas eram mulheres. Para quem já é participante do coletivo de anos anteriores, sabe que sempre houve a conversa de realizar eventos com egressos negros da Poli, mas devido aos poucos números que se formavam a cada ano era uma tarefa quase impossível, porém essa situação muda nesse ano.
Das convidadas, temos quem esteve na Poli antes da Poli Negra existir, quem teve participação em sua fundação e quem participou ativamente da luta do coletivo por direito a cotas na Universidade e nada melhor do que falar individualmente de cada uma das convidadas:
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- Alana Reis se formou em 2014 na Engenharia Elétrica, se tornando a 5ª mulher negra a se formar na Poli, com direito a DD no IST em Lisboa. Hoje tem uma trajetória no Itaú Unibanco atuando como Coordenadora de Planejamento.
- Sabrina Nabuco se graduou em 2016 também na Engenharia Elétrica e foi Co-fundadora da Poli Negra. Também se graduou em Ciências Sociais em 2022 e hoje assume a função de Desenvolvedora de Software na Geekie, contribuindo para inovações na área educacional.
- Caroline Nascimento foi ingressante da turma de 2015 e Co-fundadora do cursinho popular na POLI Santos, militante ativa da Poli Negra durante a sua graduação e hoje é Cash Management Sales no banco JP Morgan onde também faz parte do BOLD, grupo que fomenta a discussão sobre pauta racial dentro e fora da empresa.
Um evento incrível com as convidadas onde notamos as batalhas que cada uma teve que enfrentar durante seu período na Universidade e o quão importante foram essas batalhas para abrir caminho hoje para o coletivo ter sua voz ouvida, pois como é bem dito muitas vezes “elas caminharam para que pudéssemos correr”.
No mesmo dia, ao fim da tarde, tivemos um outro evento com líderes do grupo BTG Blacks, que são lideranças dentro do BTG Pactual que vieram para trazer suas experiências e falar sobre o mercado de trabalho, formação como liderança dentro de uma empresa grande e sobre a trajetória profissional. O evento por um acaso do destino acabou contando com apenas um dos convidados anunciados, que foi a Angélica Terencio, porém isso não o tornou menos completo já que a convidada tem 11 anos de empresa, é uma das líderes do grupo BTG Blacks, Director Operations, Bacharel em administração e pós graduada em direito tributário, finanças e gestão.
Quinta-feira foi um dia sem eventos próprios, porém com a tradicional qiblack rolando organizada pelo coletivo Opá Negra serviu para preparar para o último dia da semana que rolou o evento “Conversas Acadêmicas”, onde falamos sobre a carreira acadêmica e a participação de pessoas negras na pesquisa. Com a participação de Lélia Cristina que é Doutora e Pós-Doutora no departamento de Engenharia Química, pesquisadora na área de meio ambiente e Raquel Luxemburgo que é professora de química no estado de São Paulo, mestre em Ensino de ciências pela USP, foi secretária geral da ANPG e é militante da UJC. O evento se tratou de um amplo debate sobre diversas questões acerca da pouca participação de pessoas negras na pesquisa, as dificuldades de financiamento, limites relacionados a trabalho e a importância da pesquisa para o avanço da participação de negros na Universidade.
Nesse último dia foi sorteado o livro da escritora Angela Davis chamado “Mulheres, Raça e Classe”, que reflete bem um ponto importante sobre a Poli Negra e sobre a semana que é a importância e a força das mulheres negras que constroem esse movimento dentro da POLI. A Universidade é historicamente um lugar hostil e excludente para com as pessoas negras, e através dos eventos da semana foi possível entender que a força das mulheres negras, que são quem mais sofre com as opressões constantes, é o que constrói esse movimento de resistência e acolhimento. Não é à toa que em todos os períodos da história do coletivo, sempre foram as mulheres que o construíam que estavam a frente de todos os avanços e a semana se encerrou com todas as convidadas demonstrando o quão longe podemos chegar para além da POLI e o quanto ainda temos que lutar para que o nosso legado inspire o avanço.
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