Entrevista com Felipe Valencia

Imagem aérea do Prédio do Biênio (Reprodução: Poli-USP)

Entrevista por Jobel Junior

Entrevistado: Felipe Valencia

Jobel: Como foi sua vida na Poli? Porque escolheu a Poli? Como foi sua trajetória até agora?

Felipe: Meu caso é um caso interessante. Eu queria fazer computação. No 2º ano do ensino médio passei em Ciência da Computação no IME (OBS: naquela época era bem mais fácil passar em computação). Então eu passei, mas ainda não estava formado no colégio. Chegamos até a consultar um advogado, que disse que existia alguma chance de cassarem minha vaga durante a faculdade. Por conta disso não quis arriscar, e não ingressei no curso.
Aí no 3º ano troquei de opção, pensei “caramba existe um curso de Engenharia da Computação”, que eu não tinha me tocado. Eu cheguei a conhecer a Poli por causa de um amigo do meu pai que me apresentou o prédio da Engenharia Elétrica, e eu gostei bastante. Uma imagem que me marcou foi que em um dos corredores tinham dois caras conversando na frente de uma das salas de aula. Acho que eram do 4º ano, aí eu olhei para eles e pensei “nossa que intelectuais, esses aí SABEM MUITO”. Hoje em dia, quando eu comparo aqueles caras com a realidade da elétrica, vejo a gente e penso “qual era a visão que eu tinha? hahaha”. Voltando, então eu decidi por fazer a Poli. Eu não entrei direto como muitos de vocês entram; fiz um ano de cursinho, não deu certo, mas eu passei na UNESP, porém acabei não gostando, até porque lá não tinha Engenharia da Computação. Eu cursei a Engenharia Elétrica, porém eu não gosto da elétrica, é muito puxada e eu tenho pouca afinidade. O que é engraçado é que nem a parte de elétrica da física do colégio eu gostava, por isso escolhi a computação. A computação é mais qualitativa do que quantitativa, vide a gente comparar Sistemas Digitais com Circuitos Elétricos, é bem mais qualitativa. Aí eu desisti da UNESP, estudei em casa durante o resto do ano e então passei na Poli. Durante a graduação cheguei a ser representante durante os 5 anos do curso. O meu caso foi um caso curioso, porque hoje em dias as coisas melhoram muito. Quando entrei nenhum aluno conseguia explicar pra gente como funcionava o curso quadrimestral. Lembro até hoje no meu 1º ano eu estava no CEE e perguntei pros membros de lá “ah como que é o curso quadrimestral?” e galera “a gente não sabe”. Por conta desta falta de informação eu acabei tomando uma postura bem engajada, e virei meio que um “RD informal”. O coordenador do curso me dava bastante liberdade, cheguei a participar das reuniões da CoC e etc… Então essa foi minha graduação, acabei fazendo o pré-mestrado, o mestrado e daqui alguns meses eu acabo o doutorado. Nesse ano estou fazendo 10 anos de USP.

Jobel: Na sua opinião então a Poli tem melhorado entre a sua graduação até agora?

Felipe: Esse é um ponto muito bom. Com relação a informação, com certeza. A informação está muito mais difundida. Aí você pensa “nossa se hoje em dia tá melhor, então antigamente era horrível”, exatamente isso, antigamente era horrível. As coisas têm melhorado. Claro, um grande desafio que a poli está enfrentando é o impacto da adoção das ações afirmativas. À medida que você traz alunos que possuem uma maior vulnerabilidade, seja socioeconômica ou então de formação básica, isso demanda mais da Poli para se adequar a este contexto. Tanto que no Poli Informa eu lembro de ter visto uma matéria falando sobre uma disciplina que a Poli quer criar para nivelar a base dos ingressantes. Inclusive, uma coisa que eu estou um pouco por fora é o impacto do ingresso via Provão Paulista. Só escutei comentários de professores referentes a um cenário meio apocalíptico do tipo “eles sabem muito pouco”, “eles estão apanhando muito”. Eu não tenho dados em relação a isso mas é algo para ficarmos atentos. É importante que esses alunos não sejam desmotivados durante a graduação deles, então isso é uma mudança drástica do perfil do aluno da Poli. A Poli realmente com essa questão da mudança das ações afirmativas se abriu mais para novos setores da sociedade. Agora será que se abriu para todos? Infelizmente eu acho que não. Para você ter uma ideia eu moro em Guarulhos e o pessoal de baixa renda de Guarulhos com quem eu converso não sabe que a USP existe. Para você ter ideia, o pouco de noção que algumas pessoas lá têm do ensino superior são algumas faculdades particulares que existem na cidade, como é o caso da UnG (Universidade de Guarulhos). Já aconteceu de me perguntarem em uma conversa “O que é USP?”. Então realmente o buraco é bem embaixo com relação a isso.

Jobel: Certo. Eu como faço parte do Grêmio, sei mais como algumas coisas estão caminhando. Essa questão do pessoal que entra pelo Provão Paulista, tem uma matéria agora do PRG sobre matemática básica, tipo a lista 0 de cálculo. Os alunos puderam cancelar a matrícula delas em Cálculo I e fazer essa matéria para ingressarem em Cálculo I no mesmo nível que todo mundo.

Felipe: Essa matéria que você comentou, ouvi alguns boatos sobre ela. Ela substitui ou não o Cálculo I?

Jobel: Não, não substitui.

Felipe: Então é uma questão de “não faz Cálculo I ainda, se prepara e acompanha depois”.

Jobel: Isso

Felipe: Entendi, isso assim é bom.

Jobel: É assim né. Todo ano chega algum aluno comentado “Cálculo I é muito difícil, devia ter um Cálculo 0”. Tem cursinho que consegue ensinar cálculo, e coisas assim. Então criaram essa matéria para ajudar os alunos, principalmente aqueles que passaram pelo Provão Paulista, que tiveram esses problemas.

Jobel: Agora você fez o curso quadrimestral. Nós temos a química e a computação que nesta modalidade, sendo que o resto é semestral. Na sua opinião, o que você acha do curso quadrimestral?

Felipe: Vamos lá, esse é um exercício interessante, porque eu tenho que separar a minha situação pessoal do que eu vejo na prática. Na prática, eu vejo que os alunos amam o quadrimestral. Uma coisa que foi melhorando com o tempo, e eu tento trabalhar isso no meu canal conversando com o pessoal, é que tinham pessoas que vinham para a Engenharia da Computação sem querer Engenharia da Computação. Elas queriam Ciência da Computação e não sabiam disso. Já hoje em dia você encontra pessoas que vem para a Engenharia de Computação tendo noção que não querem a Engenharia de Computação, no sentido de ter não ter interesse em hardware e querer focar totalmente no software, mas elas querem o modelo quadrimestral. Com isso da pra ver que o pessoal gosta muito do quadrimestral. A questão de estagiar logo cedo, dá um medinho no começo? Dá, mas você estagia, você entra no mercado, você ganha dinheiro, então olhando por esse lado o quadrimestral é incrível.

Agora falando da situação pessoal minha, o quadrimestral é puxado. São três anos sem férias. Tudo bem que tem uma semaninha aqui, uma semaninha ali, mas é corrido o negócio, é bem corrido mesmo. E aí, o que eu vejo na prática, por conta disso, é que alguns alunos acabam adotando uma medida nesse sentido. É comum que alunos mantem aula para aliviar um pouco essa correria. Aí você pode perguntar “Felipe, se você tivesse o poder hoje de acabar com o quadrimestral, você acabaria?” Na verdade não, eu defendo o quadrimestral.

Durante minha graduação eu passei por um episódio pessoal onde vejo que se estivesse cursando um curso semestral ao invés do quadrimestral eu estaria bem melhor naquela situação, inclusive mentalmente, mas, mesmo assim, eu não tenho nada contra o quadrimestral. Eu acho que ele é um curso bastante querido. O problema que eu vejo é que temos uma diferença entre a teoria do curso e o que acontece na prática. Esse problema tem relação com você antecipar o estágio. Você já começou a estagiar?

Jobel: Ainda não, estou no terceiro ano.

Felipe: Isso é algo geral que acontece no ensino superior. Quando você começar a estagiar, você vai pensar assim, “por que eu continuo tendo aula?”, ”eu estou no mercado já”, “eu sei o que eu preciso”, “eu tenho plano de carreira.”. Então, isso não é algo da Poli ou da USP, é do ensino superior como um todo. O que acontece no quadrimestral é que como o pessoal começa a estagiar mais cedo, é fácil pensar “pronto, minha vida já está feita”. E por conta disso algumas aulas podem acabar sendo deixadas de lado. Os professores até ficam indignados com essa situação, mas enfim, é isso que acontece. E ai volta aquele ponto “você cancelaria o quadrimestral?” De maneira alguma. Mas é algo até um tanto quanto filosófico quando você começa a refletir neste assunto. “Qual é o papel do ensino superior?”. Porque é um discurso muito manjado, e eu falo isso para várias pessoas “olha, na graduação, de tudo que você vai aprender, você vai usar 20% diretamente na sua vida profissional.” Tá o que eu estou fazendo com os outros 80% de tempo? Por que você está aprendendo, sistemas de potência? Por que você está aprendendo sistemas e sinais? Por que você está aprendendo Laboratório Digital (LabDig)? Então, é uma reflexão muito boa. E aí vem aquele papo, que o MEC exige que os currículos sejam amplos, que eles tenham uma formação ampla. Até porque, é difícil saber o que você quer até você começar. É necessário abranger uma ampla variedade de alunos. O que acontece na prática é que quando você já está inserido no contexto do estágio ir para poli assistir aula fica sendo algo menos atrativo. Isso é algo que eu, caso consiga ser aprovado no concurso para professor da Poli futuramente terei que lidar. Como eu faço para atrair meus alunos do 5º ano por exemplo que só querem trabalhar, sem ter grande apreço pelas aulas? Como mostrar que aquilo que eu estou ensinando, e que naquele momento pode parecer algo chato ou inútil, mas que pode futuramente ser algo agregador para eles? Isso é parte de um desafio.

Jobel: Você comentou que quer virar professor e o que eu vejo com muitos professores em relação à escolha de estagiar e tudo mais é o fato de os alunos irem tudo para o mercado financeiro.

Felipe: É, isso acontece.

Jobel: O que você acha? Na sua opinião é positivo, é negativo? Os alunos estão jogando o diploma fora?

Felipe: Vai dar escolha de cada um. Eu não posso aqui fazer um discurso do tipo “gente, dinheiro não importa, o importante é ser feliz”, de maneira alguma. Hoje em dia isso não acontece com tanta frequência, mas teve uma época que você pode até confirmar isso com a Fátima (Técnica do PCS). Era muito engraçado, em LabDig a gente perguntava “o que você quer fazer?” e era muito comum a resposta “financeiro”. Sem brincadeira, acho que mais da metade falava financeiro. E eu perguntava “por que você escolheu a elétrica então?” O curso mais difícil, mais sofrido. Você vai sofrer durante cinco anos vendo um monte de coisa para fazer financeiro? Eu não estou criticando a escolha. Dizendo que o aluno não deveria ir para a engenharia, mas por que escolher a elétrica? Eu acho que é a escolha da pessoa. Não vou dizer aqueles discursos idealistas do tipo, “você deveria fazer alguma coisa que evoluísse tecnologicamente o Brasil.” Só acho uma pena que as pessoas se sujeitem a fazer cinco anos de um curso que elas não querem, elas sofrem por isso, afetam a saúde física, mental etc, por conta do mercado financeiro. Mas aí vem aquela discussão Poli x FEA, “a poli rouba a FEA”, “eu não vou fazer administração, vou fazer engenharia para roubar o emprego do pessoal da FEA.” Agora com relação ao estágio no mercado financeiro, sim, é verdade. Alguns professores são bastante críticos em relação a isso, já eu não tenho nenhum problema.

Jobel: E assim, saindo do mundo do mercado de trabalho, entrando um pouco no mundo acadêmico agora. Você está no final do seu doutorado, qual é a sua opinião, e a sua visão da poli entre graduação e pós-graduação? O que muda? Fica mais fácil? Fica mais difícil? Você recomenda fazer?

Felipe: É uma diferença interessante. Em algumas unidades da USP, por exemplo, se você for na pedagogia, a graduação para pós é meio que um salto natural. Na Pedagogia, é muito comum os alunos de lá fazerem pós, muito comum mesmo. Uma vez eu perguntei para uma amiga minha formada lá qual era o motivo disso acontecer. Ela falou que era comum o pessoal de pedagogia trabalhar no serviço público, e lá você é bonificado por ter uma pós-graduação. Inclusive, por conta disso, até uma coisa engraçada de se falar. Vamos comparar aqui a Poli com a Pedagogia. É muito mais a nota de ingresso na graduação da poli do que na Pedagogia, agora na pós as coisas mudam. Na pós-graduação é muito mais fácil entrar na Poli do que na Pedagogia, porque pouca gente quer fazer pós na Poli. Agora, sobre mudanças, mudam muitas coisas. Muda o perfil do aluno. São poucos os alunos de graduação da Poli que fazem pós na Poli, eles não costumam nem fazer pós. Então, geralmente, a gente vai pegar um cenário assim. Tudo bem que o que eu vou falar agora são dados tirados do “Data Felipe”, ninguém liga para esses dados, mas enfim. O que a gente vê na prática, é que uma grande parcela dos alunos que fazem pós na Poli fez faculdade particular e estão fazendo pós para currículo. Então isso para mim é bem interessante. Muda perfil etário, os alunos da pós são mais velhos, inclusive, nas aulas que eu fazia eu era um dos, se não o mais novo. A faixa etária é maior, onde geralmente o pessoal tem entre os seus 35 e 45 anos. Tudo bem que tem mestrado e doutorado. No doutorado o pessoal costuma ter idade bem mais avançada. Com relação a dificuldade, é bem diferente da graduação. Na pós, a gente não tem nota numérica. É uma nota qualitativa, sendo ela A, B, C, e, se não me engano, R de reprovado. É esperado que você tire nota A em tudo. Não é que você seja incrível por conseguir isso, é apenas o esperado. Dependendo da bolsa que você tenha, tirar notas B ou C podem fazer com que você perca essa bolsa. E é trabalhoso? Sim, mas você é recompensado. Algumas matérias da pós têm prova, outras têm apenas trabalho. No caso do PCS, especificamente, que é o meu departamento, são raríssimas as matérias que têm prova escrita. Eu não fiz nenhuma. Todas as matérias que eu fiz eram trabalho, onde geralmente envolve a escrita de um artigo científico, relacionado àquela matéria e a sua pesquisa. Assim você faz um baita de um artigo, apresenta por meio de um seminário e aquela fica sendo sua nota da matéria. Aí você vai tirar, então, A, B, C ou R. Além disso, as turmas da pós são menores. Geralmente, uma matéria muito cheia vai ter uns 30 alunos. Mas também tem matérias com 10 alunos, com 15 alunos.

Jobel: Na sua opinião, é benéfico, você recomenda para os alunos tentarem fazer pós?

Felipe: Na prática, não, hahaha. Não acho que tem essa coisa de “você recomenda?”. Eu gosto da pós, mas se você perguntar “o mercado brasileiro valoriza a pós-graduação?” Eu acho que não (pelo menos na nossa área). Assim, tirando casos muito específicos, por exemplo, falando da computação, falando mais especificamente da área de inteligência artificial, eu sei existe alguma demanda no mercado. Seria para o cara não ficar só no feijão com arroz, pegar uma biblioteca pronta e rodar algum modelo. Então por isso costuma valorizar. Agora, em geral, eu não vejo pessoas falando assim, “Eu fui incentivada a isso. Estou sentindo uma valorização por eu ter feito a pós.” Podemos separar a análise da pós-graduação strictu-sensu pensando no valor do mestrado e do doutorado. O mestrado eu acho algo interessante, nem que seja para pensar “pô, você pode ser um mestre, Jobel, olha só que legal. Muito legal ser um mestre.”. Brincadeiras a parte, é uma duração mais rápida, e você vai ter pelo menos uma noção básica científica, do tipo, metodologia de pesquisa, como você pesquisar o estado da arte, como você vê o que está rolando de inédito no mundo. Não só de portais de notícias, mas realmente de artigos científicos. Então, para algumas pessoas, um mestrado pode ser interessante. Agora o doutorado eu vejo como sendo algo para quem quer seguir carreira acadêmica ou de pesquisa. Eu sei que lá fora é muito valorizado, mas aqui no Brasil, não sinto essa valorização.

Jobel: E o que você acha da ferramenta do pré-mestrado?

Felipe: Adoro! Inclusive eu fiz na primeira turma. Eu entrei no primeiro ano da EC3, e acompanhei o pré-mestrado desde o surgimento da ideia. Aí eu pensei “QUERO”. Foi meio bizarro acompanhar essa implementação da EC3 porque a cada ano a gente aprovava o ano seguinte. Então no 1º ano a gente aprovava o 2º ano. No 2º ano a gente aprovava o 3º ano e fomos aprovando. Já no 1º ano o pessoal falou assim “A ideia é termos o pré-mestrado para os alunos no 5º ano” e minha reação foi “nossa, quero muito isso daí”. Assim eu fui dando meu apoio moral. Mas eu sinto que muita gente não entende a ideia por trás do pré-mestrado. Eu até cheguei a fazer um vídeo explicando ele lá no canal. Você pode fazer ele durante a sua graduação e caso não gostar, pode se formar e ir embora, sem precisar ingressar formalmente no mestrado. Inclusive isso aconteceu com uma menina da minha turma. Então eu acho algo interessante de experimentar. Isso se você está em dúvida, claro. Mas se essa dúvida surge muito cedo, acho que o interessante mesmo é fazer uma IC, uma iniciação científica. Agora se a dúvida bate lá pro 4º ano, aí fica meio tarde para fazer uma IC, no sentido da janela de tempo. Então, às vezes é interessante experimentar direto no pré-mestrado. Eu acho o pré-mestrado algo muito positivo. Além disso, o motivo por trás é um bem válido, no sentido de que lá na Europa o vira mestre em cinco anos. Isso vale inclusive para nossos alunos de Duplo Diploma (DD), que recebem o título de mestre lá na Europa junto com o título de graduado aqui da Poli. Lá, em cinco anos eles têm meio que uma engenharia e um mestrado juntos. Por exemplo, se eu fizesse o meu curso lá eu seria um engenheiro “puro” com mestrado em Engenharia da Computação. Então, por conta disso, a Poli quis fazer um mecanismo para antecipar a formação do mestrado.

Jobel: Certo. Agora, nesse ponto da EC3, que quando você entrou, já estava acontecendo. Agora, a gente está discutindo a EC4. Então, se você for virar professor, você vai acabar entrando com a EC4. Chegou a ver alguma coisa sobre?

Felipe: Não cheguei. Eu sei que estavam discutindo, mas o pouco que eu sei é da computação por conta do departamento (PCS). Eu sei que na computação, eles querem fazer umas mudanças bastante substanciais. Agora, se você falar assim, “como é que está a grade?” Não sei, estou por fora. Seria bom que isso fosse mais difundido. Não para eu ficar dando pitaco, mas para o pessoal ter mais conhecimento. Como eu te falei, eu entrei no 1º ano de implementação da EC3, e eu não sei o quão bem a EC3 foi difundida naquela época. Eu cheguei a conversar com alunos da EC2 e eu senti que a EC3 melhorou. “Ah, então a Poli ficou maravilhosa?” Não, porém algumas mudanças foram sim bastante benéficas. Uma mudança que afetou toda a Poli foi o cálculo numérico ir do 2º para o 5º semestre. É loucura pensar no cálculo numérico no 2º semestre. Tanto que o pessoal da EC2 falava que cálculo numérico reprovava 70% da poli. Eu achava que era mentira, até entrar em um site de disciplina na EC2 e olhar a lista de notas. Parecia que a poli toda reprovava. Além disso, teve a questão de você trazer matérias específicas já no 1º ano. Por exemplo, antes a disciplina de Introdução a Engenharia era geral, é agora cada engenharia tem a sua própria introdução, o que é muito legal. Não vejo o que criticar com relação a isso. Agora se estamos longe da perfeição? Estamos. Ainda mais se formos pegar a Engenharia Elétrica como exemplo, né? Inclusive, tem esse curso novo piloto da elétrica. Vamos ver o que vai acontecer com ele. Eu estou muito curioso com relação a percepção dos alunos após o 1º ano, porque, por enquanto, o pessoal está falando que está tudo legal. Vamos ver daqui a um ano como é que vai ser. Mas eu sinto que a EC4 assim como todas as outras “ECs” vai bater no ponto da carga horária curricular. E isso é uma coisa do programa de engenharia no mundo. A carga horária de um curso de engenharia é muito alta, e a gente tem que fazer mágica com o tempo.

Jobel: É. O modelo do EC4, eu, como Grêmio, estou acompanhando, principalmente a parte de extensão, que é onde eu estou mais atuando.

Felipe: Das atividades extensionistas?

Jobel: Isso.

Felipe: É isso aí é outra bomba.

Jobel: Eu estou lá toda hora da comissão. E, a cada hora, um professor chega e fala assim, “não entendi como funciona”. Toda vez, toda vez é a mesma coisa. Mas, é assim, esse modelo do piloto é o que está mais ou menos, assim, ao norte, do que eles estão querendo seguir na Poli. O problema vai ser 30 atividades no final do semestre.

Felipe: É, você escalar isso, de 30 alunos para 900 alunos quase.

Jobel: Sim. E, por exemplo, você comentou agora um pouco sobre o seu canal no YouTube. O que te motivou a criar o canal no YouTube? O que você queria transmitir? Você achou que ia dar certo?

Felipe: Sobre o que me motivou, eu acho que eu comentei isso num vídeo muito rapidamente. Foi um momento de desentendimento com o PCS. Não me refiro aqui a problema com um professor A ou B, mas a questão institucional do PCS. Como eu comentei com você, quando eu entrei aqui na graduação, era muito difícil conseguir informações sobre o curso com os alunos. A difusão de informações sobre o meu curso em específico era péssima. Você via na FUVEST que o curso Engenharia de Computação era quadrimestral, mas não sabia o que isso significava. Inclusive eu até brinco que quando selecionei esse curso eu pensei “não sei o que é isso, mas eu quero!”. Aí foi só na palestra institucional de recepção do PCS que a gente começa a entender um pouco as coisas. Mas voltando, eu tinha essa ideia de fazer vídeo tinha muito tempo, por conta das minhas participações nos eventos USP e as Profissões com os vestibulandos. Eu falava para os professores do departamento que o pessoal tinha dúvidas muito básicas de entendimento do curso. Coisas como “Qual que é a diferença entre Engenharia da Computação e Ciência da Computação?” “Qual que é a diferença entre Engenharia da Computação e Mecatrônica?” “Porque eu devo fazer esse curso e não o outro?” “O que é o quadrimestral?” “O que é Cooperativo?” Então eu falava para eles “Vamos fazer um vídeo do PCS falando sobre o curso. Eu assumo isso. Eu entrego depois para vocês, vocês fazem uma triagem, vejam se está com uma boa qualidade, e divulguem ele, vai ser muito útil.” Eu tentei levar essa ideia adiante por uns dois anos. Até que finalmente surgiu a iniciativa de gravar este vídeo. Se eu não me engano foi no mesmo período que vários vídeos estavam sendo gravados, como vídeos falando dos laboratórios por exemplo. O problema é que por se tratar de um vídeo institucional, era necessário que um professor ficasse a frente do projeto. O professor escolhido acabou levando o vídeo por um caminho que eu particularmente não achava muito adequado, no sentido das informações que seriam transmitidas aos vestibulandos. Hoje em dia eu entendo que essa questão institucional traz consigo uma série de limitações por conta de diretrizes a serem seguidas. Por conta disso eu acabei decidindo gravar meu próprio vídeo e soltar ele no YouTube. O primeiro vídeo que eu gravei foi um vídeo explicando o curso de Engenharia da Computação aqui da Poli. A minha ideia, originalmente, era usar o YouTube como um “repositório de vídeos”. Então, eu ia colocar lá uns cinco ou seis vídeos sobre o curso, e quem quisesse ver, veria, e quem não quisesse, enfim, estaria lá com a posteridade, né? E aí, foi interessante, porque eu postei esses vídeos. Eram todos temas ligados ao curso, como “qual que é a diferença entre Engenharia da Computação e Ciência da Computação”, “qual a diferença entre hardware e software”, e por aí vai. Vídeos, assim, bem básicos. E aí, logo depois de uns dois meses, começou a aparecer pessoas que assistiam os vídeos. E eu recebia comentários do tipo “pô, Felipe, tem como você falar sobre a Poli? A gente não sabe nada de a poli”. Eu recebia várias mensagens assim. É até engraçado porque no começo do canal, eu colocava o meu número do celular na descrição dos vídeos. Só que a medida que os vídeos foram tendo um pouquinho a mais de visibilidade, ai começava a vir um monte de spam pra mim. Era spam direto, que horrível né? Mas até eu ter uns 100 inscritos eu colocava lá o meu celular na descrição. E o pessoal mandava mensagem, “ah, Felipe, eu penso em fazer engenharia civil, como é que é o curso?” Tinham várias perguntas assim, e por conta disso, eu expandi meu escopo, para pegar temas mais gerais sobre a poli. Inclusive, foi nesse período aí, mais ou menos, que eu fiz os vídeos andando pelos prédios da Poli. E aí teve a pandemia, e os vídeos bombaram, porque as pessoas ingressavam na poli, mas não conseguiam frequentar o espaço físico por conta do distanciamento social, ai procuravam algum jeito de conhecer os prédios. E, atualmente, eu estou num escopo super amplo, porque o pessoal vem perguntar coisas da Fuvest, em geral. Falando nisso, me mandaram um e-mail ontem, “Felipe, por favor, tem como daqui a duas semanas, fazer um vídeo sobre o guia de carreiras da Fuvest?”, eu falei, “faço”. Então, aos poucos, eu fui ampliando esse escopo, porque o pessoal foi pedindo. Eu não tenho ambição de ser famoso, ter vários inscritos, monetizar. Faço isso mais para o pessoal mesmo. Inclusive, isso da monetização é engraçado, porque eu não monetizo os vídeos. “Ah, mas quando eu entro lá eu vejo anúncios”. Sim, e eu não sabia que o YouTube coloca anúncios nos vídeos de qualquer forma. Mas para mim eu não monetizo porque acho que é uma espécie de retorno social. O pagador de imposto pagou na minha mensalidade, e eu estou devolvendo isso através desse canal, não quero monetizar, não tenho essa vontade. Outra coisa é que eu nem peço durante vídeos “ah, se inscreve no canal, ativa o sininho, da like, engajamento, não sei o que”. Eu nunca pedi isso, porque, pra mim, se o vídeo foi útil para você eu já estou satisfeito com isso. Inclusive me dou ao luxo de fazer alguns vídeos que não estão diretamente ligados ao escopo do canal. Mês que vem por exemplo é setembro amarelo, e eu sempre faço vídeo sobre isso, o que eu acho importante. E não vou dizer que são vídeos bombásticos, mas são vídeos que o pouco feedback que eu tenho é muito positivo. Isso pra mim é muito importante. Então é interessante que começou com esse desentendimento com o PCS só que agora eu diria que praticamente todos os professores do PCS conhecem o meu canal. E essa divulgação foi totalmente espontânea, porque eu não falei para as pessoas próximas sobre o canal. Acho que a única pessoa que eu comentei explicitamente foi a tia Fatima, porque eu gravei um vídeo com ela uma vez e precisava contextualizar o motivo daquele vídeo. De resto não divulguei pra ninguém, nem para os meus pais. Sobre essa questão dos professores, no começo eu recebia algumas críticas por conta de estar fazendo aquilo ao invés de dedicar meu tempo a produtividade científica, porém, a medida que o canal foi tomando um pouco mais de relevância eu fui meio que me blindando dessas críticas, e hoje em dia estou bem tranquilo.

Jobel: E, assim, também falando sobre o canal, você comentou até que tem pessoas que vêm pedindo ajuda. Tem um colega meu, que ele contou um caso, que eu fui falar que eu ia fazer a entrevista, e ele falou, “ah, eu tava no terceiro ano, eu tava em dúvida, entre Unicamp, Unesp e Poli, não sabia qual fazer. Aí foi o Felipe, vendo os vídeos dele que me fez decidir vir pra Poli.” O que você acha de ajudar as pessoas a escolherem a Poli?

Felipe: É uma coisa assim, muito doida. Existe uma frase que é mais ou menos assim “quem bate não lembra, mas quem apanha lembra”. Nesse caso é o contrário. Quem ajuda não lembra, mas quem é ajudado lembra. Eu recebo muito retorno depois de pessoas que assistem os vídeos do canal. Também é por isso que quando eu vou responder uma mensagem eu não respondo correndo. Porque para mim são 5 minutos do meu dia, mas para aquela pessoa isso pode ser algo muito importante. Então perguntas do tipo “qual faculdade eu devo fazer?” ou “qual faculdade você acha interessante?”. Inclusive eu brinco que eu não sou clubista. Já “mandei” muita gente para a Ciência da Computação, e não tenho nada contra isso. Então é algo muito legal, bastante gratificante. Pra você ter ideia, o mês de Fevereiro é o mês mais atípico. Inclusive esse ano eu fiquei, sem brincadeira, um dia inteiro respondendo Email e mensagem. Comecei assim que saiu a 1ª chamada da Fuvest e acabei lá para as 20:00. É muito gratificante porque tem gente que fala “pô Felipe, eu comecei a ver seus vídeos no 9° ano”, e eu fico “no 9° ano? você tá desde os primórdios”. Então é muito legal, inclusive, uma coisa que é interessante é que o canal está longe de ser grande, mas é um pequeno concentrado, então é comum eu encontrar inscritos na USP. Um episódio que me marcou muito foi quando eu estava em um circular muito lotado. Eu estava perto da porta e escuto um cara gritar “FELIPE”. Ai eu pensei “Não, não deve ser comigo”. Até que o cara grita “EU TE CONHEÇO DO YOUTUBE”. Ele berrando e o pessoal sem entender hahaha. Então isso é gratificante, porque como eu falei, eu não estou preocupado com fama ou visualizações. Estou focado nessa questão de ajudar o pessoal. Como eu gosto de comentar em alguns vídeos, a visão que eu tenho é que na nossa vida a gente faz 3 grandes escolhas. A nossa carreira, se eu vou me casar, e se eu vou ter filhos. Casar e ter filhos, socialmente falando não tem problema se você postergar isso. Vide professores aqui da USP que eu vejo se casando e tendo filhos com mais de 40 anos. Agora a carreira você tem que escolher cedo, com 18 anos, 17 anos. Você nem está com o seu cérebro todo formado ainda e precisa fazer uma escolha dessas. Isso é algo muito difícil, e eu vejo que várias pessoas têm medo de errar. “E se eu escolher a carreira errada?”, “E se eu escolher o curso A mas eu queria o B?”, existe um medo “não posso errar”, “não posso falhar”, sendo que tem mecanismos como a transferência interna né? Eu nem sabia que existia isso quando era vestibulando, então eu fico feliz de poder tirar esse peso dos ombros das pessoas, com relação a essa escolha que eu acho que é bem complicada.

Jobel: Assim já estamos no final, fazer só uma última, se quiser comentar sobre a sua pesquisa. O que você faz?

Felipe: Minha pesquisa? Assim, agora vai parecer puro marketing. Estamos nós aqui agora no Laboratório de Alto Desempenho, então se sinta num espaço de alto desempenho, quase um atleta hahaha. Eu estou acabando o meu Doutorado e a minha pesquisa é sobre usar modelos de aprendizado de máquina para prever anomalias climáticas. Eu fiz um Doutorado Sanduíche, onde fiquei no Laboratório Nacional de Oak Ridge (ORNL) e voltei para o Brasil este ano. Fiquei lá pois eles têm uma equipe de ponta que trabalha com a coleta e o gerenciamento de dados atmosféricos, então estou sempre em contato com eles desde então para direcionar bem minha pesquisa de forma a ser algo útil e relevante. A ideia é pegar esses dados climáticos e com isso conseguir prever estas anomalias, como frentes e ar frio, tornados, esses tipos de eventos climáticos e seus impactos.

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