
“por que a primeira coisa que fizeram foi tirar a faixa com o nome da Janaína?”
Entrevistador: Diego Roiphe de Castro e Melo (Engenharia Civil, 3º ano)
Entrevistadas: Naomi Asato (Ciências Sociais, 6º ano) e Juliana Lopes (Relações Internacionais, 4º ano)
Na noite do dia 6 de março, tive a oportunidade de conversar com duas responsáveis por criar e gerir a Sala Lilás Janaína Bezerra Vive, iniciativa do Movimento de Mulheres Olga Benario, Naomi e Juliana, também ligadas à gestão atual do Diretório Central dos Estudantes – DCE Livre da USP Alexandre Vannucchi Leme. Naomi conheceu o Olga por meio da ocupação Laudelina de Campos Melo, feita no Canindé durante a pandemia, e, por meio de uma amizade, se aproximou do Olga da USP. Hoje, ela também faz parte da Diretoria de Mulheres do DCE. Juliana, por sua vez, foi introduzida ao Olga por meio de seu “movimento irmão”, o movimento Correnteza, quando ainda era caloura na universidade, se tornando mais ativa no Olga recentemente.
A entrevista com duas das coordenadoras da Sala Lilás, no contexto da “reintegração de posse” por parte da Diretoria da Poli, apoiada pela Reitoria, traz a visão de ambas sobre a importância do espaço e a crescente insegurança dentro do campus.
DRCM: Como surgiu a ideia de realizar a ocupação e quando ela foi posta em prática?
NA: O Olga está na USP desde 2018, mas existe desde 2011, e uma das suas formas de luta é de fazer o combate à violência contra as mulheres. Contando um pouco mais do contexto aqui na USP, a gente se organizava nos núcleos de estudantes aqui na universidade e aí a gente sempre viu muitos casos de violência, de assédio, desde aquele caso do cara da Poli (que inclusive a gente chegou a conversar com uma das meninas que era moradora do CRUSP e ela tinha sido assediada), ele assediava especialmente pessoas racializadas e mulheres. Teve o “cara do IME”, o “cara do CRUSP”… e sempre é uma história muito parecida, seja esperando a pessoa sair do instituto para assediar ou de casos envolvendo professores. A gente ouviu alguns casos no ICB, por exemplo.
Inicialmente, tínhamos atuação na FFLCH, no Matão e na EACH, mas era muito caso que chegava. Os canais de denúncia da USP eram insuficientes. Usamos o edital da PRIP para construir as nossas ocupações (casas de referência), que hoje o Olga constrói 26 ocupações país afora. Sempre sonhamos fazer uma casa de referência na USP, então submetemos o projeto ao edital e nomeamos ele de Sala Lilás Janaína Bezerra Vive!, em homenagem à estudante que em 2023 foi vítima de feminicídio dentro da UFPI.
E a gente escreveu, colocou o nome e contou tudo o que a gente contou aqui agora, escreveu sobre o que a gente tinha observado de caso de violência, colocou dados de pesquisas USP mulheres (que era um órgão que existia na USP, mas acabou sendo desativado por falta de orçamento): quase 90 casos de violência sexual na USP feito por essa pesquisa, CPI dos Trotes que aconteceu em 2015 que registrou mais de 100 casos de violência sexual… e a gente lançou esse projeto no edital.
Além da Sala Lilás, enviamos um projeto de Sala de Amamentação e da Brinquedoteca para a EACH – e esses foram aprovados, mas a Sala Lilás não. Acreditamos que foi porque propusemos de ser em uma cozinha desativada no CRUSP, que são inclusive palco de vários casos de estupro, e porque esse projeto significa a expulsão dos moradores “irregulares” sem devida investigação, mas não expulsa estupradores. Também era um contexto de implantação das grades na moradia, projeto que também criticamos por não ouvir o que os estudantes pensam sobre a segurança – a AMORCRUSP até fez um plebiscito sobre.
Então o projeto acabou não passando e a gente acha que não foi simplesmente o projeto não estar tão bem escrito, acho que a gente tem que entender esse contexto político, e a gente não queria que o negócio morresse, que simplesmente ficasse por isso mesmo, porque a gente sabe que é super contraditório a USP ter 8,6 bilhões no orçamento e não conseguir destinar esse recurso na forma que seja mais apropriada.
Inclusive, o próprio que as meninas da EACH conseguiram, da sala de amamentação, demorou muito tempo, justamente por conta disso de você ter dinheiro mas não saber como aplicar isso. E fica nessa burocracia, as meninas estão na luta de conseguir conquistar essa sala de amamentação mesmo tendo conseguido o projeto do edital…
No dia 25 de novembro, no dia internacional de combate à violência contra as mulheres, a gente decidiu que faria a Sala Lilás, porque não tínhamos escolha: teve o caso de tentativa de estupro na Praça do Relógio, teve o caso no CRUSP, no qual acompanhamos de perto enquanto Olga e enquanto DCE, e quanto mais denúncias vinham à público, mais denúncias chegavam para a gente.
No dia anterior ao 25 de novembro a gente fez os nossos esquemas, juntou todas as pessoas que participaram desse processo de fazer as lutas do Olga e tudo mais e aí de noite a gente já estava procurando vários lugares, mas o lugar que a gente escolheu – que foi o barracão da Poli – tem um motivo, porque do lado tem um núcleo afro e lá eles estão resistindo há 24 anos, então a gente achou que seria estratégico porque a gente fortalece eles, mas também porque você ficar 24 anos e ter esse reconhecimento enquanto um lugar de resistência cultural, de resistência afro brasileira na USP… acho que a gente também tem muito aprender com eles.
JL: Aí foi isso, a gente inaugurou a ocupação da Sala Lilás Janaína Bezerra e a proposta era que esse espaço lá dentro da Poli – não só pela questão do núcleo afro, mas também para inserir um ponto de referência que saísse um pouco do núcleo FFLCH, ECA, etc que é um pouco mais concentrado – conseguisse também levar esses debates para outros lugares onde a gente sabe que acaba sendo um pouco mais distante enquanto mobilização política mesmo. Não estou falando isso aqui como forma de deslegitimar o Grêmio, os CAs e todo trabalho que vocês fazem, mas conseguir justamente fortalecer essas lutas entendendo que as lutas das mulheres não estão desvinculadas das lutas dos centros acadêmicos e dos estudantes dentro da universidade; pelo contrário, as mulheres também são estudantes e a proposta da Sala era justamente isso: a gente conseguir ter um centro político que conseguisse tanto representar esse espaço de acolhimento que a USP sempre negou pra gente – porque a verdade é que Antes de fundar a sala, fizemos um abaixo-assinado com 3 mil assinaturas na FFCLH, ECA, IRI, FE, IQ, IF, IB e inclusive na EACH, denunciando que a USP não quer ter um espaço físico para acolher as vítimas e se recusa a aceitar a medida protetiva – que é um direito garantido pela Lei Maria da Penha. A USP alega ser uma violação do direito constitucional do violador de estudar, mas e a vítima, que não se sente confortável em voltar para a aula, para a moradia, para o laboratório? Não acatar a MP é expulsar a vítima.
Por isso construímos a Sala, com a USP querendo ou não, porque a nossa alternativa seria seguir só acolhendo as vítimas, o que em tese não é nossa responsabilidade, mas sim da universidade. A ideia é que a Sala representasse mais que só acolhimento das denúncias, mas também ajudar a estudante a compreender o processo de violência, quais caminhos ela pode seguir legalmente, mas principalmente quais as raízes da violência de gênero, que está vinculada ao sistema econômico-político vigente e precisa ser transformado, porque a verdade é que não é à toa que as nossas mulheres hoje sofrem assédio e sofrem estupro, não é novidade pra gente essa violência; desde que a gente tem algum mínimo de consciência de que existe esse tipo de coisa do mundo a gente sabe que existe esse tipo de violência e sabemos que a culpa dela não é individual mas sim que – se acontece com tantas mulheres, se tantas mulheres tem medo de fazer isso e se existem tantos abusadores, estupradores – então existe um sistema que faz com que exista esse tipo de violência; e precisamos combater esse sistema.
Acolher é essencial, mas é insuficiente para não fazer novas vítimas, por isso o propósito de organização política: de apresentar uma alternativa de luta, porque só denunciar não te garante segurança. A gente só estará segura destruindo a causa raiz desse problema. Por isso fizemos várias atividades políticas na Sala, com rodas de conversa, leitura do Jornal A Verdade – o qual ajudamos a construir -, assembleias, plenárias, reuniões dos núcleos dos movimentos sociais, oficinas culturais… E recebemos apoio de muita gente, de professores, doações inclusive de CAs da Poli. A verdade é que foi um processo que foi se enraizando dentro da universidade e desde novembro do ano passado a gente tem conseguido construir uma mobilização muito grande, também com as comunidades de fora da USP (Butantã, Rio Pequeno, São Remo) para poder apresentar isso para as mulheres que vivem lá também, de que esse centro não é só para as estudantes mas é para as mulheres da região.
A partir do fim de janeiro, recebemos as primeiras notificações, que pareciam ser falsas. Quando tentamos entrar em contato, nos responderam que não sabiam sobre o que se tratava, mas logo em seguida chegou a notificação com papel timbrado, nos dando 4 dias úteis para sair da Sala – de maneira extrajudicial e ilegal, já que a notificação não foi ratificada por um juiz, como deve ser um mandato de reintegração de posse.
DRCM: A Diretoria da Poli chegou a dialogar com vocês para além das notificações? Vocês chegaram a ter reuniões? Como foi esse processo?
NA: Então, a gente recebeu as notificações e teve um dia que a gente colocou como resposta o email da nossa Sala, e recebemos um e-mail. Foi assim que a gente descobriu que aquelas notificações bizarras eram mesmo da Diretoria da Poli. Aí a gente teve uma primeira reunião com o Diretor da Poli mesmo e com o gabinete, e essa reunião, por incrível que pareça, foi positiva, porque eles tinham ouvido a gente. No momento eles queriam que a gente saísse, mas a gente explicou sobre a nossa ideia, que a gente tenha a ficha de atendimento que a gente é um movimento muito sério; falamos sobre as nossas propostas, que não era justo a gente não ter um espaço para as mulheres. Desde o princípio deixamos claro que não tínhamos apego necessariamente àquele lugar, mas que precisávamos de ALGUM lugar para as estudantes. A primeira conversa foi mais otimista, com previsão de negociarmos um espaço físico, mas a Enaege marcou uma segunda reunião com um representante da PRIP e a negociação retrocedeu muito, inclusive comparando a violência do estupro com a “violência” da ocupação. Mencionaram também o SUA, sistema de acolhimento desenvolvido pela PRIP em resposta às nossas mobilizações, mas criticamos ele por alguns motivos: primeiro, ele prevê que qualquer um pode fazer acolhimento (estudante, professor, funcionário, etc), e não uma pessoa com preparo técnico (na prática, fica para a comunidade universitária resolver); segundo, ele não foi desenvolvido com as entidades estudantis e com os estudantes; e, terceiro, a central física que ele prevê, no CARE [Centro USP de Acolhimento e Referência para Estudantes], será de caráter meramente encaminhativo (desumanizado) e terá a contratação de somente três pessoas, sendo somente uma assistente social. Significa, resumidamente, que ela [representante da PRIP na Poli] tentou apresentar esse sistema que é só desviar do assunto e não ir na raiz do problema, é ficar encaminhando de um órgão pro outro e não querer resolver o problema. Mas a gente foi firme, falou que queremos o reconhecimento da medida protetiva e um centro de referência físico na USP. Aí, depois que a gente fez essa proposta, elas colocaram que o despejo era uma ordem da própria Reitoria também, não era só da Diretoria e da PRIP. Foi isso; com o fim da reunião, tinha ficado como encaminhamento fazer outra reunião na segunda de manhã pra poder ter essa negociação de a gente conseguir um espaço físico. Só que, quando deu segunda de manhã, a gente acordou com a casa com um monte de viaturas da Guarda Universitária e a primeira coisa que eles fizeram foi tirar a faixa da Janaína da fachada… então fica este questionamento: se realmente estavam pensando tanto na nossa segurança, se estavam tão preocupados com os tais bichos peçonhentos, por que a primeira coisa que fizeram foi tirar a faixa com o nome da Janaína?
JL: A partir disso a gente tem crescido a mobilização em torno da Sala, então a gente fez uma assembléia nesses dois primeiros dias, convidamos os CAs da Poli, que inclusive deram informes, porque a verdade é que esse problema da Sala Lilás não só foi uma atitude extremamente autoritária e machista, tanto da Reitoria, quanto da Diretoria da Poli, como acaba que ele reflete um problema generalizado de [falta de] autonomia dos estudantes sobre os seus espaços. O espaço onde fizemos a Sala estava vazio há pelo menos 5 anos, e, em 4 meses de ocupação, a Diretoria já se mobilizou para despejar a gente, alegando que “vai virar laboratório”, “vai virar sala de aula para a Engenharia Civil”.
Nós interpretamos que esse despejo é mais um dentro das articulações que a universidade como um todo tem feito contra os espaços nos quais os estudantes têm autonomia e poder sobre. Vemos os CAs sem suas salas, o acesso aos prédios de madrugada e fim de semana, controles de acesso, falta de espaços de estudo, falta de vivências estudantis e, as poucas que temos, sendo tomadas (Espaço Verde, Prainha).
Por isso temos crescido também a mobilização não só para retomar a Sala Lilás e lutar contra o assédio e a violência de gênero, mas em defesa dos espaços estudantis com outros CAs, inclusive e principalmente com os da Poli.
DRCM: Quais são os próximos passos da movimentação da Sala Lilás? Vocês têm continuado as atividades em outros lugares?
NA: Ah, antes de responder a pergunta em si, só pra acrescentar que a gente chegou a fazer uma reunião com a Ana Lanna [Pró-Reitora de Inclusão e Pertencimento] depois de tudo que aconteceu… foram muitos absurdos, mas uma coisa que deixa a gente muito revoltada é que depois de tudo isso que a gente falou e comentou sobre o quanto tinha sido muito desrespeitoso todo o processo, ela chegou assim a chamar o nosso movimento de misógino por termos ido “falar primeiro com o Diretor da Poli, que é homem, e não com ela”; também teve um outro momento que a outra representante da PRIP foi super racista assim chamou a nossa companheira Dani, que é uma mulher negra, de “agressiva” – acho que é nesses momentos onde a gente começa a tensionar que esses absurdos começam a aparecer.
Estamos fortalecidas desse processo com os apoios, mas queremos nos fortalecer mais, tanto pelo núcleo que estamos organizando pela Sala, para debater seu funcionamento e as atividades, mas também as relações que temos com as demais entidades.
JL: Eu tô como responsável de organizar o cronograma da Sala, a ideia é fazer com que mais mulheres, que as calouras conheçam essa iniciativa, e fazer essas atividades, as oficinas na frente da Sala mesmo, porque a gente não vai desistir, e é um espaço nosso por direito, porque nós revitalizamos ele e a gente deveria ter a participação de escolher para onde que vai cada espaço da USP. Então vão seguir tendo plenárias, oficinas, reuniões do Núcleo, passagem em sala, panfletagem e consiga tocar fogo nessa universidade, pra gente conseguir fazer essa denúncia e mostrar qual é o caráter da universidade. Queremos retomar as mobilizações para lutar pelo nosso direito de estudar, de estar segura no Campus, de permanência estudantil, de autonomia sobre nossos corpos, de manter nossa integridade física, psicológica e moral.
Temos cronogramas da Sala divulgados quinzenalmente e nossos boletins de atividades, para expandir mais a luta, ainda mais se considerada a conjuntura, com o PL [Projeto de Lei] do Estupro no ano passado e o que o Tarcísio de Freitas [Governador de SP] e o Ricardo Nunes [Prefeito de SP] representam para a vida das mulheres. Precisamos que a mobilização seja grande dentro da universidade, mas fora dela também.
NA: Um fato muito interessante é que depois que a gente fez a ocupação, dias depois, a gente teve a notícia de que o assassino da Janaína tinha sido finalmente expulso; aí teve notícias de jornais do Piauí falando sobre a própria Sala e a gente até tem companheiras do Olga e do Correnteza da UFPI [Universidade Federal do Piauí] e eles também ficaram muito animados, então teve uma repercussão lá e a família da Janaína tá em contato com a gente e tem feito alguns eventos com a gente e apoiado bastante a nossa iniciativa. É muito importante, porque a universidade lá também sofre dos mesmos problemas de estrutura, segurança e acolhimento que a USP; a gente quer fazer com que a a história da Janaína tenha esse reconhecimento, porque ela era uma menina assim que escrevia uns poemas muito bonitos, que lembra a Conceição Evaristo, ela era uma menina negra que tinha muitos sonhos e lá na universidade dela não teve esse reconhecimento da história e da memória dela.
DRCM: Quem quiser participar ou ajudar o movimento, como é que pode fazer?
JL: A gente tem o instagram da Sala, então se quiser acompanhar as nossas atividades que a gente faz é @salalilas_janainavive e podem entrar em contato comigo [Juliana Lopes (19) 99839-6999] ou com a Naomi [Naomi Asato (11) 99221-3808], já que a gente tá na coordenação da Sala [salalilasjanainabezerra@gmail.com], então pra poder as meninas nos chamarem e falar “ah, quero participar e etc”, sempre vai ter uma próxima reunião do Núcleo onde essas pessoas consigam se incorporar. E que esse convite fique estendido não só às estudantes mas também aos CAs, Atléticas, Baterias e tudo o mais – é uma luta de todos, porque a gente precisa mesmo desse espaço na nossa universidade!
A gente tem formação política, tem debate cultural, tem sarau, tem de tudo para todos os gostos; quem quiser se incorporar fica o convite!
Versão para edição física:
Título: Janaína vive, Janaína viverá! Mulheres estudantes que não param de lutar!
Subtítulo/Citação: “por que a primeira coisa que fizeram foi tirar a faixa com o nome da Janaína?”
Entrevistador: Diego Roiphe de Castro e Melo (Engenharia Civil, 3º ano)
Entrevistadas: Naomi Asato (Ciências Sociais, 6º ano) e Juliana Lopes (Relações Internacionais, 4º ano)
Na noite do dia 6 de março, tive a oportunidade de conversar com duas responsáveis por criar e gerir a Sala Lilás Janaína Bezerra Vive, iniciativa do Movimento de Mulheres Olga Benario, Naomi e Juliana, também ligadas à gestão atual do Diretório Central dos Estudantes – DCE Livre da USP Alexandre Vannucchi Leme. Naomi conheceu o Olga por meio da ocupação Laudelina de Campos Melo, feita no Canindé durante a pandemia, e, por meio de uma amizade, se aproximou do Olga da USP. Hoje, ela também faz parte da Diretoria de Mulheres do DCE. Juliana, por sua vez, foi introduzida ao Olga por meio de seu “movimento irmão”, o movimento Correnteza, quando ainda era caloura na universidade, se tornando mais ativa no Olga recentemente.
A entrevista com duas das coordenadoras da Sala Lilás, no contexto da “reintegração de posse” por parte da Diretoria da Poli, apoiada pela Reitoria, traz a visão de ambas sobre a importância do espaço e a crescente insegurança dentro do campus.
DRCM: Como surgiu a ideia de realizar a ocupação e quando ela foi posta em prática?
NA: O Olga existe desde 2011 e uma das suas formas de luta é de fazer o combate à violência contra as mulheres. Inicialmente, tínhamos atuação na FFLCH, no Matão e na EACH, mas era muito caso que chegava. Os canais de denúncia da USP eram insuficientes. Usamos o edital da PRIP para construir as nossas ocupações (casas de referência), que hoje o Olga constrói 26 ocupações país afora. Sempre sonhamos fazer uma casa de referência na USP, então submetemos o projeto ao edital e nomeamos ele de Sala Lilás “Janaína Bezerra Vive”, em homenagem à estudante que em 2023 foi vítima de feminicídio dentro da UFPI.
Além da Sala Lilás, enviamos um projeto de Sala de Amamentação e da Brinquedoteca para a EACH – e esses foram aprovados, mas a Sala Lilás não. Acreditamos que foi porque propusemos de ser em uma cozinha desativada no CRUSP, que são inclusive palco de vários casos de estupro. O projeto da PRIP expulsa moradores “irregulares”, mas não expulsa estupradores. Também era um contexto de implantação das grades na moradia, projeto que também criticamos por não ouvir o que os estudantes pensam sobre a segurança – a AMORCRUSP até fez um plebiscito sobre.
JL: Antes de fundar a sala, fizemos um abaixo-assinado com 3 mil assinaturas na FFCLH, ECA, IRI, FE, IQ, IF, IB e inclusive na EACH, denunciando que a USP não quer ter um espaço físico para acolher as vítimas e se recusa a aceitar a medida protetiva – que é um direito garantido pela Lei Maria da Penha. A USP alega ser uma violação do direito constitucional do violador de estudar, mas e a vítima, que não se sente confortável em voltar para a aula, para a moradia, para o laboratório? Não acatar a MP é expulsar a vítima.
NA: No dia 25 de novembro, no dia internacional de combate à violência contra as mulheres, a gente decidiu que faria a Sala Lilás, porque não tínhamos escolha: teve o caso de tentativa de estupro na Praça do Relógio, teve o caso no CRUSP, no qual acompanhamos de perto enquanto Olga e enquanto DCE, e quanto mais denúncias vinham à público, mais denúncias chegavam para a gente.
JL: Por isso construímos a Sala, com a USP querendo ou não, porque a nossa alternativa seria seguir só acolhendo as vítimas, o que em tese não é nossa responsabilidade, mas sim da universidade. A ideia é que a Sala representasse mais que só acolhimento das denúncias, mas também ajudar a estudante a compreender o processo de violência, quais caminhos ela pode seguir legalmente, mas principalmente quais as raízes da violência de gênero, que está vinculada ao sistema econômico-político vigente e precisa ser transformado. Acolher é essencial, mas é insuficiente para não fazer novas vítimas, por isso o propósito de organização política: de apresentar uma alternativa de luta, porque só denunciar não te garante segurança. A gente só estará segura destruindo a causa raiz desse problema. Por isso fizemos várias atividades políticas na Sala, com rodas de conversa, leitura do Jornal A Verdade – o qual ajudamos a construir -, assembleias, plenárias, reuniões dos núcleos dos movimentos sociais, oficinas culturais… E recebemos apoio de muita gente, de professores, doações inclusive de CAs da Poli.
A partir do fim de janeiro, recebemos as primeiras notificações, que pareciam ser falsas. Quando tentamos entrar em contato, nos responderam que não sabiam sobre o que se tratava, mas logo em seguida chegou a notificação com papel timbrado, nos dando 4 dias úteis para sair da Sala – de maneira extrajudicial e ilegal, já que a notificação não foi ratificada por um juiz, como deve ser um mandato de reintegração de posse.
DRCM: A Diretoria da Poli chegou a dialogar com vocês para além das notificações? Vocês chegaram a ter reuniões? Como foi esse processo?
NA: Desde o princípio deixamos claro que não tínhamos apego necessariamente àquele lugar, mas que precisávamos de ALGUM lugar para as estudantes. A primeira conversa foi mais otimista, com previsão de negociarmos um espaço físico, mas a Enaege marcou uma segunda reunião com um representante da PRIP e a negociação retrocedeu muito, inclusive comparando a violência do estupro com a “violência” da ocupação. (8) Mencionaram também o SUA, sistema de acolhimento desenvolvido pela PRIP em resposta às nossas mobilizações, mas criticamos ele por alguns motivos: primeiro, ele prevê que qualquer um pode fazer acolhimento (estudante, professor, funcionário, etc), e não uma pessoa com preparo técnico (na prática, fica para a comunidade universitária resolver); segundo, ele não foi desenvolvido com as entidades estudantis e com os estudantes; e, terceiro, a central física que ele prevê, no CARE (Centro USP de Acolhimento e Referência para Estudantes), será de caráter meramente encaminhativo (desumanizado) e terá a contratação de somente três pessoas, sendo somente uma assistente social.
Foi isso; com o fim da reunião, tinha ficado como encaminhamento fazer outra reunião na segunda de manhã pra poder ter essa negociação de a gente conseguir um espaço físico. Só que, quando deu segunda de manhã, a gente acordou com a casa com um monte de viaturas da Guarda Universitária e a primeira coisa que eles fizeram foi tirar a faixa da Janaína da fachada… então fica este questionamento: se realmente estavam pensando tanto na nossa segurança, se estavam tão preocupados com os tais bichos peçonhentos, por que a primeira coisa que fizeram foi tirar a faixa com o nome da Janaína?
JL: O espaço onde fizemos a Sala estava vazio há pelo menos 5 anos, e, em 4 meses de ocupação, a Diretoria já se mobilizou para despejar a gente, alegando que “vai virar laboratório”, “vai virar sala de aula para a Engenharia Civil”.
Nós interpretamos que esse despejo é mais um dentro das articulações que a universidade como um todo tem feito contra os espaços nos quais os estudantes têm autonomia e poder sobre. Vemos os CAs sem suas salas, o acesso aos prédios de madrugada e fim de semana, controles de acesso, falta de espaços de estudo, falta de vivências estudantis e, as poucas que temos, sendo tomadas (Espaço Verde, Prainha).
Por isso temos crescido também a mobilização não só para retomar a Sala Lilás e lutar contra o assédio e a violência de gênero, mas em defesa dos espaços estudantis com outros CAs, inclusive e principalmente com os da Poli.
DRCM: Quais são os próximos passos da movimentação da Sala Lilás? Vocês têm continuado as atividades em outros lugares?
JL: Queremos retomar as mobilizações para lutar pelo nosso direito de estudar, de estar segura no Campus, de permanência estudantil, de autonomia sobre nossos corpos, de manter nossa integridade física, psicológica e moral.
Temos cronogramas da Sala divulgados quinzenalmente e nossos boletins de atividades, para expandir mais a luta, ainda mais se considerada a conjuntura, com o PL [Projeto de Lei] do Estupro no ano passado e o que o Tarcísio de Freitas [Governador de SP] e o Ricardo Nunes [Prefeito de SP] representam para a vida das mulheres. Precisamos que a mobilização seja grande dentro da universidade, mas fora dela também.
DRCM: Quem quiser participar ou ajudar o movimento, como é que pode fazer?
JL: A gente tem o instagram da Sala, então se quiser acompanhar as nossas atividades que a gente faz é @salalilas_janainavive e podem entrar em contato comigo [Juliana Lopes (19) 99839-6999] ou com a Naomi [Naomi Asato (11) 99221-3808], já que a gente tá na coordenação da Sala [salalilasjanainabezerra@gmail.com], então pra poder as meninas nos chamarem e falar “ah, quero participar e etc”, sempre vai ter uma próxima reunião do Núcleo onde essas pessoas consigam se incorporar. E que esse convite fique estendido não só às estudantes mas também aos CAs, Atléticas, Baterias e tudo o mais – é uma luta de todos, porque a gente precisa mesmo desse espaço na nossa universidade!
A gente tem formação política, tem debate cultural, tem sarau, tem de tudo para todos os gostos; quem quiser se incorporar fica o convite!
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