Made in Brazil
Cor: Branca
Validade: perto do vencimento
Me use, me abuse, me teste, me beije, me bata, me foda, me morda e me descarte novamente à prateleira. Não és o primeiro, tampouco serás o último, muitos me admiram, porém já possuo astúcia para compreender que certos produtos não são feitos para um “felizes para sempre”. Do alto dessa empoeirada estante, não é cabível haver consciência que sustente há tanto tempo sucessivas ilusões, então, caro leitor, peço-lhe perdão pelas palavras amarguradas que lerá, mas nada tenho além de fadiga ao perpetuar falsas ternuras nessa perversa jornada.
Como vim parar nessa prisão sem grades é algo do qual não me recordo, por vezes sinto que apenas do pó emergi, e fadada estarei a perecer aqui. Se houvesse apenas solidão, sinto que meu fardo seria mais leve, somente concordaria com tudo que me foi imposto. Entretanto, minha manufatura obviamente precisava ser complexa, o que seria de mim sem tantas ponderações e esperança? Maldita Esperança, cobra vil que ludibria a mente e nos faz crer sermos merecedores de algo fora de nossa medíocre realidade.
Há quanto tempo, Esperança? Há quanto tempo me promete felicidade? Há quanto tempo ouço “foi só essa situação particular” ou “não irá acontecer novamente”? Há quanto tempo mente para mim e diz que sou algo além de um objeto sendo vendido em uma prateleira? Estou exausta desse loop infernal de crenças irreais cobrindo minha mente de sonhos que nunca se concretizarão.
O mundo muda e os homens permanecem os mesmos. Sorria, mas não a ponto de parecer tola; seja gentil, sem ser oferecida; mostre seu lado sensual, só não seja vulgar; seja pura, mas não beata… siga todas as regras e você ganhará um lugar de destaque na vitrine! Aproveite, Troféu, afinal, não há almejo maior do que ser exposta para o olhar de todos. Desvie singelamente das normas e seu lugar será
comigo, no alto da prateleira: sempre testada, nunca aprovada.
Ideias demais, pensamentos em excesso, muita angústia. Como desligar meus defeitos se sequer consigo encará-los? Poderia ter sido feita com manual de instruções e saberia finalmente o que há de tão errado em mim. Nada é o bastante, e sou demasiadamente insuficiente para qualquer finalidade, que mercadoria mais inútil, não concorda? A ausência de propósito é característica intrínseca do meu ser: existo por mera ocupação de espaço em um tempo prestes a acabar.
Infelizmente, nada há de ser feito. Continuarei sorrindo, sendo obediente, concordando e me curvando às ordens até a validade chegar e cessar minha tão leviana existência.
Jev
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