Comentários da Semana

Linda Mulher Nua com um Papagaio (1866), de Gustave Courbet (Reprodução: Courbet)
Por Laura Carmieletto Saran (Engenharia Química, 1º ano)

Esta não se pretende uma ode à mediocridade, pois Everything Everywhere All at Once (2022) já expressou tudo de relevante que esse mote tem a oferecer com sensibilidade ímpar. Não nos confundamos, então: dedico as palavras seguintes à falta de esforço. Ainda que aquela seja produto eventual desta, eis justamente a diferença; a inércia é anterior e consciente. E mais! Causa menos da dor dilacerante promovida pela mera regularidade imprevista e, naturalmente, indesejada. Que desejemos o passável! Que vivamos de acordo com ele! Apenas assim é que atingiremos, tanto coletiva quanto individualmente, a excepcionalidade.

Qual a serventia, seja no âmbito que for, de tentar desenvolver-se à força naquilo para que não temos pendor algum? O que leva um homem ao sacrifício imensurável de corpo e alma em função de habilidades decretadas? Que cara parcela de nossa tranquilidade já não traímos apenas para atingirmos um patamar mais distinto de desimportância? O estrago já se consumou, mas isso é razão de ultimíssima qualidade para não mudarmos agora. Comprometamo-nos indissoluvelmente ao menor empenho imaginável. 

Que fique claro! É preciso evitar ser, digamo-lo diretamente, desleixado! Atenção ao traço discreto que cinde o desânimo e a desistência absoluta — não há por que permitir à fonte de nossa máxima angústia um minuto sequer além do que ela já nos furta.

Dediquemo-nos aos nossos atributos mais naturais e mais prazerosos. Por que a recusa à catarse? Seja o hobby convencionalmente produtivo ou o próprio cúmulo da inutilidade, seu mais reles fruto agregará mais à sociedade do que os resultados de empreendimentos robóticos. As mais laudáveis concepções helênicas nasceram do ócio; o mesmo vale para os avanços iluministas promovidos pela nobreza europeia. Fortuitamente, porém, não dispomos de uma estrutura escravagista que sustente nossas reflexões errantes — e por isso não podemos abandonar de todo nossas desmoralizantes obrigações.

Enfim, não é o valor da produção desinteressada a sua própria modéstia orgânica? E não seria ela notadamente amplificada e elevada à medida em que seu próprio ser fere a norma inescapável do decreto? Admito que essa hipótese há de tender à verdade mais autêntica. Afinal, de que outra maneira poderíamos explicar a existência da tão exímia produção aqui enunciada senão pela avaliação iminente que assoma no horizonte da engenhosa autora…

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*