Por Bruno Pereira dos Santos (Engenharia Civil, 2º ano)
Durante os anos finais do ensino fundamental, na época que estudei sobre a Inconfidência Mineira, lembro de ouvir pela primeira vez sobre Tiradentes sem os floreios heroicos criados lá pelo período da proclamação da República. Era aquela famosa fase da vida da desconstrução dos mitos. Nunca entendi por que, então, na praça principal da minha cidadezinha de 25 mil habitantes no interior do Rio Grande do Sul havia um busto de Tiradentes – aquele de cabelos compridos –, se o homenageado nem era de lá e nem havia feito nada tão importante assim. Enquanto isso, João Cândido (conhecido também como Almirante Negro, líder da Revolta na Chibata, movimento contra a postura escravocrata da Marinha Brasileira), a única figura histórica no âmbito nacional nascido na minha cidade, recebia homenagem em um lugar muito menos privilegiado da cidade. Hoje o busto de Tiradentes nem está mais lá na praça e ouvimos muito mais falar de João Cândido.
Neste 21 de Abril, feriado de Tiradentes, fiquei agradecido pelo ócio no meio da loucura da Poli, ao mesmo tempo que relembrei uma das primeiras construções e desconstruções de heróis que tive na vida. Como puxando uma corda de um bolso de um palhaço, criei um emaranhado de novos pensamentos, e para quem gosta de escrever como eu, rende bastante “pano para a manga”. Comecei a refletir sobre nossa constante mania de criar heróis com a mesma velocidade com a qual os destruímos e sobre alguns casos isolados que emergiram na minha mente.
Como exemplo posso citar o desfile da Mangueira de 2019, com o tema “História para ninar gente grande”, – para quem nunca viu, recomendo muito (dica vinda de alguém que não costuma ver desfiles de Carnaval) – em que se mostravam figuras muito vangloriadas da história, tais como a Princesa Isabel, Dom Pedro I e Pedro Álvarez Cabral, desta vez como personagens diminutos na história dos povos brasileiros que tanto sofreram para construir nossa nação. Vale aqui inclusive lembrar que escrevo isso em pleno aniversário da invasão a qual damos o apelido fofo de “descobrimento”. Como a história dá suas voltas, não é?
Outro caso significativo dessa mudança de óptica foi o movimento mundial de destruição de estátuas de colonizadores, ditadores e genocidas. Por que alguém os julgou merecedores dessa homenagem a princípio? Chega a ser assustador pensar como os valores humanos eram tão diferentes em períodos históricos tão próximos ao nosso, em que os ícones mais violentos fossem os mais celebrados. É estranho até percebermos que o nazismo surgiu há menos de um século (e nunca morreu por completo) e vivemos claramente uma retrospectiva da colonização ao visualizarmos as invasões a terras indígenas como a Yanomami, frente à justificativa do extrativismo ganancioso – talvez não sejamos tão melhores do que éramos antigamente.
A pequenos passos e tropeços estamos tentando melhorar como civilização, eu espero. Trocar alguns Tiradentes por Joãos Cândidos é um início para tentar mudar o que é visto como heroico no futuro. Ainda assim, não some da minha mente a dúvida: Por que ainda precisamos de heróis? Não me entenda mal, já é uma grande melhora o que estamos passando, mas nem João Cândido, nem qualquer outra figura histórica está isenta de cometer erros e basta que apontemos o dedo para percebermos que heróis, naquela visão mais icônica da coisa, não existem. São pessoas, com menos ou mais impacto na sociedade, não santidades ou coisas do tipo. O Almirante Negro, por exemplo, fez parte do movimento integralista, Ghandi era um terrível marido e Einstein ajudou a criar a bomba atômica. Não retira deles toda a importância de seus atos e valores, só oxida suas presumidas perfeitas estátuas de cobre. Amanhã não sabemos qual será a próxima figura cisalhada, mas assim como qualquer pilha de cobre feita como homenagem, o tempo fará oxidar toda sua perfeição.
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