Entrevista com Prof. Antonio Luís de Campos Mariani: a falta de docentes em MecFlu

Prof. Antonio Luís de Campos Mariani (à esquerda) e Prof. Celso Massatoshi Furukawa (à direita) em sala de aula. (Fotografia: Laercio Costa)

Para quem ainda não o conhece, você poderia nos explicar um pouco acerca de sua história, tanto como aluno, quanto como professor?

Estudei e me formei em Eng. Mecânica na Poli, em Bacharelado e em Licenciatura em Física pela USP nos anos 1980. Participei do Movimento Estudantil naquela época e tenho muito apreço e orgulho pela importante contribuição que esta importante Universidade entrega para a sociedade brasileira. Trabalhei no IPT e na área da indústria e depois retornei à USP. Iniciei minha atuação como docente na POLI em 1989 na área de Mecânica dos Fluidos desde então assumi a responsabilidade pelos laboratórios didáticos. Oriento equipes que representam a POLI na competição SAE AeroDesign, hoje Keep Flying e Keep Flying Jr., coordeno o Programa Poli Cidadã, e atuo na área de pesquisa que envolve instrumentação e medições relacionadas a fluidos com aplicação em sistemas de Ar Condicionado e Ventilação, coordenando o LEQAI – Lab. de Estudos da Qualidade do Ar Interior. Tenho ministrado disciplinas para graduação de Mecânica dos Fluidos, Ar Condicionado e Ventilação, Tecnologia e Desenvolvimento Social I e II, Atividades Especiais em Eng. I e II. Na pós-graduação colaboro na disciplina de Instrumentação aplicada a sistemas Termo-fluidos.

Como está a situação de PME3230 (Mecânica dos Fluídos I) e do PME como um todo quanto a falta de docentes?

O Departamento de Eng. Mecânica – PME, um dos maiores da POLI, e que colabora ministrando disciplinas para a maioria dos cursos da Escola (Mecânica Geral, Mecânica dos Fluidos, Termodinâmica e Transferência de Calor), tem reduzido seu quadro de professores. Conforme dados do Portal da Transparência, em setembro de 2014 havia 46 docentes no departamento, e em agosto de 2023 o número foi reduzido para 36 docentes, sendo que 4 tem mais de 36 anos, e 14 tem mais de 31 anos de USP. Na equipe que colaborava com disciplinas da área de Fluidos aposentaram-se 8 docentes de 2015 a 2023, muitos com aposentadoria compulsória aos 75 anos.

Resumidamente, a situação da disponibilidade de docentes para as disciplinas de Mecânica dos Fluidos está muito difícil em consequência da idade e das aposentadorias dos professores já comentada. A equipe oferece disciplinas fundamentais para grande parte dos cursos da Poli. Por exemplo PME3230 – Mecânica dos Fluidos I, neste semestre tem 335 alunos matriculados dos cursos de Mecânica, Mecatrônica, Naval e Produção, com atividades em 4 turmas de teoria e 10 turmas de laboratório. Na atribuição de carga didática feita em maio/junho tínhamos 8 professores, 6 concursados e 2 temporários. Na véspera do início das aulas recebemos a informação da não prorrogação dos contratos destes temporários, que resultou em 4 turmas de laboratório sem professor.

Você poderia explicar o que é um professor temporário e o que ocorreu com os que havia em PME3230?

Apresentando minha visão sobre o processo de recuperação dos docentes na USP e na POLI e a questão dos temporários.

Adoto como ponto de partida o Plano de Recomposição do Quadro docente apresentado pela Reitoria, que reconheço como sendo o mais abrangente e amplo que vi nestes meus quase 35 anos de docente. A proposta do Reitor de recuperar a composição de 2014 é muito positiva. Mas é preciso verificar que esta proposta foi apresentada para o triênio 2023 a 2025. E surge a pergunta: o que fazer se as saídas, a redução do quadro, ocorrem antes de terem sido concluídos os processos de contratação de docente? (lembrando que os “Concursos” para contratação docente exigem formalismo legal maior e demoram significativo tempo). Uma solução ao período de transição (até que seja contratado um docente concursado) é fazer uso de docentes temporários. Eles são contratados por “Processo Seletivo”, que é mais simples e rápido. Estes docentes são contratados em regime de trabalho parcial (RTP – 12 horas semanais = 6 aulas), tem custo pequeno para a USP (R$2.800,00 para um doutor), e podem ter seu contrato prorrogado por mais 1 ou até 2 anos, com justificativas apresentadas.

Na área de Mecânica dos Fluidos e Máquinas de Fluxo, com a previsão de muitas aposentadorias, encaminhamos em 2021 e 2022 pedido de 2 docentes temporários. O PME e a diretoria da POLI aprovaram, e em julho de 2022 a CCD (Comissão de Claros Docentes) da Reitoria da USP também aprovou dois “claros” (vagas). Foi feito o processo seletivo no 2º semestre de 2022 selecionando dois excelentes candidatos, que foram contratados em fevereiro de 2023, pois foi preciso respeitar a lei que não permite contratações nos meses próximos ao período eleitoral. Os professores contratados, Humberto e Paulo Eduardo, integraram a equipe ministrando aulas nas disciplinas de Máquinas de Fluxo, e de Mecânica dos Fluidos para Eng. Civil, inclusive sendo muito bem avaliados pelos alunos. Em maio de 2023 foi indicada a necessidade de apresentarmos justificativa para a prorrogação dos contratos dos dois docentes. A justificativa foi elaborada com apoio da Chefia do PME, em um processo conjunto com outros dois temporários da área de Mec. Geral. No início de julho de 2023 recebemos resposta que não foi aceita a justificativa. Fizemos novamente, duas outras vezes (em julho/23), procurando adequar os argumentos com a Resolução 8362 (de 2023) da Reitoria, que define contratação de temporários. No dia 3 de agosto recebemos a informação de que as prorrogações não foram autorizadas, e que não era mais possível contar com os dois temporários. No dia 9 de agosto fizemos um recurso, individualizado para cada “claro”, com apoio da Chefia do PME e aprovação da diretoria da EPUSP. No dia 15 de setembro recebemos respostas negativas para cada um dos recursos. Para nossa surpresa, a resposta da reitoria admitia que há argumentos compatíveis com a Resolução 8362, e instruía que uma nova vaga de temporário poderá ser solicitada. Mas uma nova solicitação, mesmo de temporário, se aprovada em todas as instâncias, demora meses para ser efetivada, e a nossa demanda é para já!

Completo este histórico de PME3230, registrando o alerta que já fizemos para as instâncias superiores sobre PME3222 (Mec. Fluidos para Civil) a ser oferecida no 1º semestre de 2024. No momento atual temos 2 docentes para atender os aproximadamente 200 alunos de PME3222, o que não viabiliza seu oferecimento para todas as turmas.

A falta de professores lhe gera sobrecarga ou algum outro problema de qualquer tipo?

Sim, tenho em conjunto com colegas e com a chefia do PME, tenho dedicado horas para elaborar documentos, justificativas para reposição de docentes, preparação e realização de processo seletivo com pouca eficácia. Nas disciplinas de graduação temos que administrar as dificuldades de alocação de carga didática para docentes, realização de muitas reuniões, estabelecer comunicação e estratégias dedicadas aos alunos e turmas sem professor.

Há sobrecarga de carga didática para muitos docentes! No ano de 2022, quase todos professores que colaboraram ministrando PME3230 tiveram sua carga didática ampliada, excedendo os 12 créditos de horas aula anuais, aumentando especialmente o número de turmas assumidas em PME3230, pois havia, além das aposentadorias, dois docentes em licença. Mas foi uma postura de colaboração adicional e excepcional, em correspondência à resposta positiva que a Reitoria havia dado em julho/22, autorizando os Docentes Temporários, e confiamos que havia um encaminhamento para solução.

Na sua visão, qual o melhor caminho para solucionar os problemas atuais?

Avalio que as soluções são:

– Prorrogação dos contratos dos docentes temporários já selecionados com garantia até o final do processo de contratação dos docentes concursados;

– Colocar em prática o plano da reitoria de reposição docente, com antecipação dos prazos para liberação de vagas;

– Readequação de determinadas vagas disponíveis em termos de regime de trabalho, isto é, transformar uma vaga de RDIDP (Regime de dedicação integral) em duas vagas em RTC (Regime de turno completo) ou em três em RTP (Regime de Tempo Parcial). Isto pode reduzir o custo do docente para a USP. E em determinadas áreas do conhecimento, como engenharia, é possível trazer profissionais que tem ampla experiência e bem formados, para enriquecer o quadro docente;

– Fazer a análise de situações determinadas, com suas especificidades;

Destaco um aspecto que chama atenção, que é o Regime de Trabalho definido para cada vaga (claro) e que define como a questão dos recursos financeiros a ser envolvido. Ao considerar o Regime de Trabalho da equipe de Mecânica dos Fluidos e Máquinas de Fluxo nos últimos 30 anos, verifica-se que mais de 80% dos docentes atuou em dedicação parcial, RTC ou RTP. Considerando os 8 últimos docentes aposentados, 7 estavam neste regime de trabalho, e eram profissionais que atuavam em institutos de pesquisa, como o IPT, e o CTH, e em áreas de projetos. A soma do salário base (sem adicionais por tempo de serviço) destes 8 docentes é de aproximadamente R$45.000. Dois docentes em RTC assumem 24 horas-aula em um ano letivo. Alerto que esta solução não deve ser generalizada, mas aplicada para áreas em que é compatível.

Entrevista feita por Bruno Pereira dos Santos (Engenharia Civil, 2º ano)

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