Entrevista com Rafael Rabelo, presidente da chapa Lauri Reyes

Lauri Reyes concorre ao Grêmio Politécnico em 2024. (Divulgação: Lauri Reyes)
Por Mateus de Pina Nascimento (Engenharia Mecatrônica, 3º ano)

O jornal O Politécnico retoma a já tradicional cobertura das eleições do Grêmio Politécnico da USP, com o objetivo fundamental de promover o debate público na Poli. Neste ano, o pleito ocorrerá entre os dias 30 e 31 de outubro e 1 de novembro, tendo como candidatas as chapas Lauri Reyes e Revoada. Sendo assim, Rafael Rabelo, candidato à presidência pela Lauri Reyes, concedeu esta entrevista, que contou com a anuência da Comissão Eleitoral. Leia a seguir e aproveite para ler também a entrevista com a Revoada!

O que o Grêmio significa na sua vida?
O Grêmio representa uma ferramenta muito importante dentro do espaço estudantil que é a Poli. Como levantamos tanto na formação da chapa quanto no próprio processo de estudar a importância do Grêmio, entendemos que ele é não só uma instituição histórica, com um alcance nacional, mas um local em que os alunos têm que se sentir representados. Esses locais de representação talvez sejam os mais importantes para a vida de uma pessoa, por exemplo, como eu, que é negra, que precisa dessa representação sendo feita de uma maneira que não era feita historicamente, mas hoje a gente está aí para mudar.

Por que você se identifica com a chapa Lauri Reyes?
A Lauri Reyes surge de uma conversa entre todas as pessoas da chapa, sobre a reestruturação histórica da representação que é o Grêmio e do que é o movimento estudantil. A gente entende que o movimento estudantil não é sobre, muitas vezes, se fecharem à administração dos seus próprios espaços ou cuidar dos seus próprios problemas, mas ouvir as outras pessoas e reivindicar as coisas que você acredita.
A chapa Lauri Reyes, inclusive, tem um nome muito forte de um politécnico que lutou contra a ditadura e fez parte de movimentos nacionais como o PCB (Partido Comunista Brasileiro), a ALN (Aliança Libertadora Nacional) e a Molipo (Movimento de Libertação Popular). É a junção de tudo aquilo que representa a cultura, a arte, o social e a luta – principalmente a luta.
Consideramos que a forma como a chapa se forma, sua temática e imagética, tudo, vem de uma mudança que acreditamos só ser possível se participarmos diretamente dela. A gente identifica a chapa Lauri Reyes não como algo que orbita no espaço, mas as pessoas que estão nela e que se identificam com ela são o que ela representa – independentemente de classe social, gênero, orientação sexual, do que for. Ela é feita dessa diversidade. A gente tem pessoas de variados cursos, anos, idades, contextos… todas acreditando nesse projeto que a gente construiu.

Qual sua motivação para ser presidente do Grêmio Politécnico?
Acho que tem várias. Eu sou de uma família de pessoas que migraram do Nordeste, na década de 1970, procurando emprego e melhores oportunidades. Meu pai é do sertão do Nordeste, tenho um tio que faleceu por inanição quando era criança. Eu sou de uma família que me possibilita enxergar, ainda que eu não tenha passado por isso. Como eu comecei a trabalhar muito cedo, acho que toda mudança depende da minha ação. Se eu não for atrás, eu não vejo a mudança.
Eu já tenho 30 anos de idade. Tudo que eu vi realmente mudar para o lado das pessoas negras que estão à minha volta, das pessoas que estão comigo ou da minha família mesmo, veio de um esforço descomunal.
Eu acho que tenho essa motivação de ser parte de uma mudança necessária que eu vejo. 120 anos e não ter um presidente negro, apesar de ter presidente LGBT, é muito grave. Olhar para os números na Universidade e conseguir contar facilmente, nomear 14 mulheres negras que já se formaram na Poli é muito grave.
E se a gente não for as pessoas que vão tensionar para fazer esse tipo de mudança, a gente nunca vai mudar, não vai conseguir os nossos espaços estudantis, nunca vai conseguir as coisas que a gente reivindica e nunca vai sair desse ciclo de situações de preconceito, de assédio e de violência. Eu acho que a motivação é essa. Ser a diferença.

Recentemente, houve uma grande comoção em toda a USP em relação à contratação de professores, o que acarretou em diversas atividades por todo o campus. Como a Lauri Reyes encarou a movimentação na Poli?
Como muito importante. Primeiro, por ser uma uma greve, uma mobilização que não acontecia na Poli há 20 anos. Foi uma questão de movimentação por luta pelos próprios direitos dos alunos.
Todo mundo, igualmente, independentemente de cotas ou não, prestou vestibular para poder passar e estudar na melhor universidade da América Latina, para conseguir se formar. E, se não há as condições disso, a gente tem que reivindicar dessa maneira. É o que eu falo, a gente não pode esperar que as coisas simplesmente aconteçam. A gente tem que ser a mudança. Algumas coisas não caem do céu.
E a gente está vendo um processo de precarização cada vez mais grave, sabendo de cursos como Nuclear, por exemplo, ou departamentos como o de Mecânica dos Fluidos que não vão ter professores. A necessidade dessa greve, é a mostra de que a movimentação estudantil precisa acontecer para que a gente tenha as mudanças que são favoráveis aos alunos.
A gente, da Lauri Reyes, vê como muito importante esse movimento de greve e todos os que se decorreram depois disso. A participação histórica em assembleias e em plebiscito são coisas que demonstram como essa movimentação que aconteceu especificamente na Poli serviu para inserir as pessoas num debate político. E, na USP toda, mostrou que a organização das pessoas consegue levar as mudanças a acontecer, como no caso com as contratações de professores assinadas pelo reitor.

De que forma vocês acreditam que deve ser a participação dos alunos em decisões como essa?
O aluno tem que ter gerência de todas as decisões. Não é assembléia ou plebiscito. Todos são ferramentas para que as pessoas possam expressar a sua opinião e ter a sua participação dentro das decisões. Mas a gente tem que entender as limitações de cada uma delas.
Por exemplo, na época da aprovação de cotas, havia uma gestão que fez plebiscito para, de certa forma, sabotar a decisão das pessoas em relação à entrada de cotas, sabe? Foi uma estratégia despolitizante. A gente não tem nada contra o plebiscito, mas tem que entender que os espaços precisam estar politizados. As pessoas precisam ter uma discussão de qualidade. E não simplesmente jogar coisas ao ar e esperar que haja um senso comum, indiscutível, e que as pessoas tomem decisões sem nem entender o que elas estão fazendo.
Um caso disso foi o debate em relação ao CAs (centros acadêmicos) terem cadeiras de RD (representação discente). Os CAs tiveram que se matar para poder mostrar que era necessário eles terem as cadeiras. Era uma causa justa, mas pelo fato de ser feito pelo plebiscito, muita gente votou sem saber o que estava votando. É isso que a gente é contra. As pessoas têm que estar inteiradas nos debates para poderem votar.
Nós vamos fazer tudo: plebiscito, roda de conversa, espaços abertos de jornal, publicações, boletins e por aí vai. Tudo o que tiver direito.

Qual você imagina que será o maior desafio da gestão do Grêmio em 2024?
A politização geral dos alunos. Levar essa questão do entendimento das pessoas da necessidade da participação. Eu acho que só a nossa existência como chapa já está fazendo com que exista uma politização muito grande por parte dos alunos. A gente vê muita gente um pouco mais afastada desses debates políticos, que hoje se sente pouco mais obrigada a entender alguma coisa, a entender mais ou menos qual é a organização das chapas, para poder fazer essa participação. A continuidade disso é o maior desafio.
Temos tanta gente que já trabalha há tanto tempo no mercado de trabalho que o restante das coisas são desafios menores.

Como você vê a Poli daqui a cinco anos?
Levando em conta o pessimismo da razão e o otimismo da vontade, eu vejo a Poli muito mais preta, muito mais popular, com muito mais pessoas politizadas, mas que talvez ainda tenham suas próprias contradições internas e problemas que ainda precisam ser resolvidos com o tempo. A gente vive isso o tempo todo, tendo que lidar com contradições entre a forma com que a sociedade se encaixa. Então, talvez elas não deixem de existir.
Por exemplo, o debate sobre a iniciativa privada na Universidade ou sobre ser um bem público talvez ainda não esteja resolvido daqui a cinco anos. Talvez ainda haja um debate acalorado nisso, ainda que eu tenha uma posição muito específica.
Então, algumas coisas eu imagino que vão estar muito melhores. Imagino que o Grêmio vai voltar a ter a grandeza que teve na década de 1930 ou 1960. E a Poli talvez estará fazendo projetos realmente de infraestrutura, principalmente voltados à sociedade.

Qual o projeto da Lauri Reyes para o jornal no ano que vem?
A gente colocou uma galera muito engajada nessa parte de publicação do jornal. O nosso projeto é que ele seja mais frequente, com espaço para coletivos, grupos culturais e até CAs tenham suas publicações e conquistas ouvidas. A gente tem conversado com grupos culturais, como a Rateria, como o Grupo de Teatro da Poli, os grupos de extensão… tem muita gente que faz muita coisa incrível. E essas coisas às vezes ficam fechadas na própria bolha.
A nossa ideia no jornal é manter, talvez, a forma como é feito hoje, mas utilizar os espaços também para trazer debates sobre as coisas que estão acontecendo, as DCNs (Diretrizes Curriculares Nacionais), as AACs (Atividades Acadêmicas Complementares), a curricularização das extensões etc.
Também utilizar esses espaços para mostrar o quão grande são essas extensões. Mostrar, por exemplo, o Baja, que foi o primeiro lugar em uma competição recentemente; a Rateria, que tem uma participação histórica no Batuque, uma competição deles; o Grupo de Teatro da Poli, possivelmente o grupo universitário de teatro mais antigo da América Latina; o Acappolli, possivelmente único grupo a capella universitário que existe no país; e a competição que o Júpiter ganhou a nível mundial recentemente. Isso, às vezes, fica muito restrito às próprias pessoas que são parte daquela bolha.
Isso tudo faz parte da vivência universitária, as pessoas têm que saber o que os alunos estão fazendo, quem são os alunos, o quão longe a gente está chegando sendo politécnico. Às vezes, a gente está tão estressado dentro do nosso espaço que não sabe o quão incrível é o que alguém está fazendo na sala do lado. Acho que utilizar o jornal como esse espaço aberto para que as pessoas deem suas contribuições e façam debates é muito necessário.

Aproveite para ler também a entrevista com a Revoada!

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