A construção conjunta de um Plano Diretor e as expectativas para a mobilidade no Campus

Mapa das oficinas de abril (Reprodução: PUSP-C)

Entrevistado: Professor Pierluigi Benevieri

Entrevistador: Diego Roiphe de Castro e Melo

Em 2024 está ocorrendo a elaboração de um novo Plano Diretor para a Cidade Universitária. A novidade: ele é aberto à participação de qualquer estudante, docente ou funcionário da USP. Entenda um pouco mais sobre o andamento do processo (principalmente no quesito mobilidade), as expectativas e como participar nesta entrevista com o Prof. Pierluigi Benevieri, que integra o Grupo de Trabalho de Mobilidade e Conselho Gestor do Plano Diretor.

 

1. Para quem não sabe o que está acontecendo, poderia dar algum contexto sobre o plano diretor da CUASO?

 

“O Plano Diretor da CUASO é como o de uma cidade: tenta dar uma direção na organização de uma gama de aspectos. Então é uma superfície de trabalho bastante grande e tem uma série de atividades bastante importantes e diversificadas, que conta com a participação de professores, estudantes e funcionários. 

O plano atual foi feito em 2013, o anterior no começo dos anos 2000, o anterior nos anos 1990 e assim por diante. Portanto foi decidido que um novo plano deveria ser redigido em 2024. A organização do trabalho foi iniciada já no segundo semestre do ano passado, sendo constituído pela prefeita do campus, Raquel Rolnik, o que se chama de Conselho Gestor. Eu integro esse conselho porque fui eleito na categoria dos docentes, mas ele também é composto de alunos e funcionários eleitos, apesar de não conter pessoas de fora da universidade, como pessoas de bairros próximos ou funcionários terceirizados. O início da elaboração do Plano Diretor foi apresentado publicamente dia 25 de outubro do ano passado, com um evento público no CDI, e todo esse trabalho deve ser concluído antes do final do ano para ser submetido ao Conselho Universitário para aprovação.

Os Grupos de Trabalho já estão formados, como o de Mobilidade, que eu participo ativamente e é um tema crucial para a vida universitária. Também tem os GTs Água, Energia, Resíduos, Patrimônio, Áreas Verdes e Faunas, Convivência e Coordenação, todos os 8 abertos à participação.

Pela primeira vez essa elaboração do Plano não é feita do interior de uma sala com poucas pessoas, mas sim de uma série de oficinas participativas, que serão realizadas em 3 ciclos. Vão ser atividades abertas ao maior número possível de pessoas: alunos, funcionários (inclusive terceirizados), professores, cientistas e pós-graduandos e, se tivermos capacidade, pessoas de fora do campus, da São Remo, do bairro do Butantã e assim por diante. Essas oficinas não serão improvisadas; a gente está colaborando com uma empresa de consultoria, a MPS, que já tem uma experiência de construção de planos diretores participativos em cidades e, até, campus universitários grandes, e que vai nos auxiliar para que a participação colaborativa seja proveitosa e efetiva. 

O Plano Diretor naturalmente faz escolhas e diz qual é o rumo que o campus deveria tomar nos próximos anos. Ele não é um documento somente técnico que fala sobre especificidades, mas sim dá linhas diretivas do ponto de vista da mobilidade, por exemplo: queremos um campus que siga privilegiando a locomoção por carro? Ou buscar valorizar outras formas de transporte, como circular, ônibus em geral, bicicletas e locomoção a pé?”

 

2. De onde surgiu o seu interesse em participar do Plano Diretor e, principalmente, da parte de mobilidade?

 

“Veja, são várias razões. Quando eu era professor na Itália, lá as universidades são antigas e não tem muito a ideia de universidade recolhida em um território, um campus. A minha experiência pessoal é de viver o meu trabalho dentro de um prédio de um departamento, antes de matemática e, depois, de engenharia, na Universidade de Florença, que permeava essas questões de urbanismo. Aqui, eu entrei numa realidade muito diferente: uma unidade muito grande que abriga muitos institutos. Então é uma vida bem diferente, com vários problemas. Primeiro, locomoção: como se movimentar até o Campus? Segundo, deslocamento interno: como gerar interesse para outras atividades dentro do Campus, em outros institutos e como se movimentar facilmente aqui dentro? 

Também, desde o começo da minha atividade de professor aqui, eu me filiei ao sindicato dos professores, a ADUSP [Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo], que tem um interesse geral pela vida coletiva universitária e não só em questões salariais, condições de trabalho, etc. Assim, o sindicato tem posições que são aquelas de defender uma universidade democrática, gratuita, pública e de qualidade.

Outras duas coisas também, digamos, me empurraram para me candidatar a fazer parte desse trabalho, que, diga-se de passagem, é cansativo e é obviamente gratuito. Primeiro o fato de ler que era um Plano Diretor participativo, ou seja, aberto a contribuições de várias pessoas de diferentes esferas. Segundo era o fato de a coordenação desse trabalho ser da prefeita do campus, a professora Raquel Rolnik, que eu conheço e sei que é de muita qualidade e muito preparada, aberta e democrática. Ela tem a visão da construção de um plano diretor e não de uma redação feita por um estreito grupo de pessoas que pouco envolve o resto da comunidade impactada. Tudo isso me deu interesse para integrar o grupo.”

 

3. Como está o andamento dessas discussões nos GTs e em que pé está a elaboração do Plano?

 

“Olha, eu vou saber dizer mais específico do GT Mobilidade. Nós temos um grupo que é muito interessante, englobando funcionários, professores e alunos, todos colegas de universidade, e que eu vejo que têm muito entusiasmo e muita competência. Inclusive, conseguimos, como todos os outros grupos de trabalho, contratar por meio de um processo seletivo público uma professora especialista em mobilidade e que está dando uma contribuição muito boa. O coordenador do GT, o professor Hermes da engenharia, é uma pessoa extremamente preparada; o vice-coordenador, o Mateus, está trabalhando muito e com muita qualidade, assim como todos os outros participantes.

Para entrar mais específico na sua pergunta, tem algumas diretrizes sobre as quais esse grupo de trabalho está mais ou menos concentrado. Por exemplo, rever o meio de transporte que é privilegiado no Campus, o transporte individual, que é muito problemático por gerar muito trânsito, poluição, necessitar de uma ocupação muito grande do espaço e assim por diante. Então temos olhado para como fortalecer outras formas de movimentação que são sobretudo transporte público. Aqui entra a questão, por exemplo, dos ônibus circulares, dos quais a universidade tem falado nas últimas semanas em particular, com o começo das aulas e os problemas que as pessoas estão tendo. Entra também a questão do transporte via outros ônibus, que andam dentro e fora da cidade universitária, e a questão da mobilização ativa, por meio de bicicleta (seja própria ou compartilhada) e também a pé. A mobilidade entra, não só no quesito do fluxo Campus-casa, mas internamente.

Portanto, digamos que a ideia do Grupo de Trabalho é tentar ver os avanços e retrocessos dos anos recentes também. Veja, nos últimos 10, 12 anos, caiu consideravelmente o número de ônibus regulares que entram no Campus, o que diminui a integração do Campus com a Cidade.”

 

4. Falando sobre essa questão de integração, dificultada inclusive pela preferência do meio de transporte individual, como andam as discussões no sentido de integrar mais a Cidade Universitária com a cidade de São Paulo? 

 

“Veja, essa questão está ligada a muitos fatores, sejam eles históricos ou práticos. Você sabe, provavelmente, que o Campus universitário era aberto no fim de semana, e, antigamente, aos domingos as pessoas podiam entrar no Campus como um parque público; isso é coisa de 15 anos atrás. Esse é um debate que deve ser retomado e se trata de fazer uma escolha e organizar para tornar viável, se houver interesse. E pensar em que medida esta Cidade Universitária estará aberta. Por exemplo, na UFAL [Universidade Federal de Alagoas] tem uma vez na semana uma feira do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra]; ou seja, termos dentro da universidade eventos culturais, como a Feira do Livro, e também eventos comerciais.

Esse é um conjunto de questões e oportunidades que, justamente, o Plano Diretor deve tratar e indicar como linhas diretivas; ou seja, indicar no plano: qual é a universidade que queremos? Qual o grau de integração com o resto da cidade? E, depois da elaboração desse planejamento, dessas diretrizes, é necessário que essas ideias sejam traduzidas em políticas públicas. Por exemplo, a gestão do então prefeito Professor Hermes, há alguns anos, implementou as ciclofaixas e as faixas exclusivas de ônibus; mas é ainda mais importante que, saindo do campus, atravessando os portões, essa ciclofaixa e essa faixa de ônibus não acabem. Se isso ocorrer, o problema praticamente se mantém. 

Não só nesse aspecto, seria interessante que as políticas que são implementadas dentro do Campus tivessem um respaldo também, pelo menos, nos bairros próximos. Assim, para agilizar, por exemplo, a questão dos circulares. Sem contar o metrô, que, até agora, não entrou no Campus. Bom, é previsto uma linha agora, mas é questão de anos, não menos de 10, até que o projeto realmente saia do papel.”

 

5. Como você avalia o plano diretor que ainda está em vigência no Campus? Como ele trata a questão da mobilidade?

 

“Olha, esse plano diretor já é um avanço em relação aos anteriores. Por exemplo, no tratamento das volumetrias ele previa que tivesse uma limitação às construções para que o Campus mantivesse o equilíbrio, com áreas verdes abertas e áreas fechadas. Mas no quesito da mobilidade, não tem muitos passos à frente; ou seja, digamos, são ativadas institucionalmente algumas linhas de ônibus, mas tem sempre a ideia de uma certa separação e favorecimento do transporte por automóvel, destacando, por exemplo, os portões P1, P2 e P3 como as principais entradas para o Campus, e não por acaso, tendo mais iluminação e segurança. Também, os eixos diretores de mobilidade dentro do campus, nesse plano, são as ruas onde passa carro; assim, os caminhos para pedestre são dificultados, ou têm pouca sinalização, pouca iluminação, enquanto para carro está tudo muito bem servido e mais fácil, com grandes estacionamentos, cada vez mais ociosos.

Portanto, esse novo Plano Diretor acredito que vai marcar uma diferença a respeito dos planos anteriores, sinalizando a necessidade de uma mudança significativa na matriz dos transportes dentro do Campus. 

Importante também falar que o Plano Diretor é um documento político, técnico também, mas, principalmente, político; porque, a partir do momento que o plano diz que o objetivo da mobilidade é o transporte coletivo e não poluente, ele já fixa alguns objetivos, e a questão do circular, por exemplo, é uma consequência. Ou seja, melhorar o funcionamento dos circulares e das linhas de ônibus, favorecer a movimentação interna e desincentivar a mobilização por transporte individual. E pensar em medidas possíveis, como faixas com controle para redução de velocidade dos carros, mais faixas de bicicleta e assim por diante; as medidas são praticáveis, mas a vontade política que é importante e essencial. 

 

6. Quão específico ou quão geral deve ser o Plano Diretor? Onde ele se encaixa nessa balança?

 

“Depende do ponto de equilíbrio que a gente quer encontrar. Um Plano Diretor que se limite só a linhas gerais corre o risco de ser genérico e portanto não dar indicações; já um plano que se atém a pequenos detalhes e medidas pontuais também não é eficaz, porque algumas medidas específicas podem envelhecer muito rápido. Então é buscar um bom equilíbrio, que tenha alguns pontos que sejam bem claros e outras indicações de que direção seguir em determinados assuntos. Por exemplo, a diminuição das áreas de estacionamento para virarem áreas verdes, ou a necessidade de fiscalização das faixas exclusivas de ônibus são algumas tendências que possivelmente serão indicadas.

Outro aspecto, veja, quanto às áreas de convivência. Tem poucos espaços para convivência no Campus, tem poucos bancos onde as pessoas possam se sentar e conversar. Nesse caso também é uma indicação precisa: favorecer esse tipo de encontro, de vida universitária. A gente pode falar também da arborização da Praça do Relógio, porque a gente sabe que ali as temperaturas são bem maiores que no resto do Campus, por ser muito impermeabilizado; e esse seria um lugar de confraternização também.

Mais outro tópico seria a questão da volumetria estável, o que implica no encerramento da construção de novos prédios e na recuperação dos que já existem.

Isso tudo demanda equilíbrio, mas a ideia é que o Plano Diretor fixe indicações suficientemente claras e não totalmente gerais para os próximos 10 anos de gestão do Campus. Para isso, também acho que seja importante justamente a questão da elaboração ser participativa, para que a comunidade que é impactada pelas medidas e políticas realizadas possa opinar e ajudar na construção de um Campus melhor para todos.”

 

7. Como você avalia o impacto da pandemia em mudanças na vida universitária, na locomoção para o Campus e dentro dele?

 

“A universidade era mais ocupada fisicamente antes da pandemia. Algumas atividades que antes seriam feitas presencialmente, agora têm sido on-line; tanto eventos e atividades mais formais como a própria socialização, em certo sentido. 

Sobre mobilidade, digamos que no transporte público eu não vejo uma grande diferença. O sistema de circulares é o mesmo desde antes da pandemia, com a administração do Campus tentando fazer o máximo com os recursos escassos que o contrato com a SPTrans permite. Quanto a outras linhas de ônibus, também não há particular diferença, ou seja, já havia uma certa precariedade, que continua existindo. 

Creio que agora poderia ser feito mais a favor das bicicletas; foram feitas as ciclofaixas, que é importante, mas a questão das bicicletas compartilhadas poderia ser feita de maneira mais incisiva, enfim, são questões que vamos estudar e formalizar ao longo deste ano na elaboração do plano.”

 

8. Ainda no começo do semestre letivo neste ano foi anunciada a implementação de uma quarta linha de circulares e, depois, a prefeitura deu um passo atrás e levou o projeto para consulta pública. Você acompanhou esse processo, ele foi discutido no GT Mobilidade? 

 

“A questão é a seguinte: tem um contrato feito da universidade com a SPTrans que é um contrato que prevê o pagamento de determinado valor, que é praticamente o do bilhete e a empresa recebe por giro de catraca. Esse contrato disponibiliza exatamente 18 veículos para serem circulares e que podem ser administrados e organizados pela Prefeitura do Campus. O problema é que com essa quantidade a gente deve tentar fazer o trabalho melhor possível a respeito das várias regiões do Campus. Antigamente eram apenas 2 linhas de circulares e, inclusive, não tinha catraca, era gratuito para qualquer pessoa e eles circulavam só dentro do Campus, porque não tinha metrô Butantã.

Portanto, o problema acaba sendo o número limitado de veículos e também a respeito dos horários. Esse é um outro problema bastante importante, porque se você sabe que tem ônibus que passa no ponto, digamos, de 40 em 40 minutos, você se organiza. A questão é que a SPTrans identifica 2 horários de pico, de manhã cedo e no fim da tarde, e um horário de semi-pico, no almoço. Você percebe que horário de saída de curso noturno, que é um horário muito delicado, não é considerado pico, nem semi-pico, portanto tem um fluxo reduzido e inconstante de ônibus.

Então a tarefa da Prefeitura do Campus é grande, e também na elaboração do Plano Diretor, no limite das nossas possibilidades. A questão é, de novo, encontrar um equilíbrio: tentar reorganizar as linhas para recuperar uma eficiência para as pessoas que não estão sendo beneficiadas, sem perder os pontos positivos que já existem. 

Quanto à demanda, é muito interessante, porque demanda também se constrói. Um exemplo: veja o que acontece com o Hospital Universitário, que, antes de 2014, atendia muito mais do que hoje, e foi sendo paulatinamente limitado, reduzindo seu funcionamento em quantidade, capacidade de atendimento, e as pessoas vão deixando de confiar, deixando de ir. 

Mudando de assunto, tem um ônibus que passa dentro do Campus que o número é 7181. Ele está sempre vazio. Justamente porque ele não passa, ele é muito inconstante, aí as pessoas não contam com ele, não usam. Dessa forma, se registra a ideia de que esse ônibus não presta, porque está vazio. Ou seja, a demanda se cria. A Linha 4 Amarela, por exemplo, antes não existia. Agora, está sempre lotada, como todas as linhas de metrô. Assim dá para imaginar a criação de linhas de ônibus que passem por dentro do Campus e que cheguem até lugares bem populosos e, com regularidade, elas vão ser utilizadas. Portanto, uma simples pesquisa de usuário agora não diz tudo. Diz muito, mas não diz tudo”

 

9. Por fim, se estudantes, docentes, funcionários quiserem participar da elaboração do Plano Diretor Participativo, como essas pessoas poderiam fazer para entrar em algum GT, participar das oficinas? Quem ela deve procurar?

 

“Bom, os Grupos de Trabalho são abertos, portanto é só entrar em contato para participar. Para isso, você pode entrar na página do Plano Diretor, da Prefeitura do Campus, e vai achar os meios de contato por lá. Do ponto de vista do trabalho, o GT Mobilidade tem um calendário de reuniões, toda quarta-feira a cada 15 dias.

Outra parte do trabalho que é super importante e é mais uma oportunidade de participação são as oficinas agora de abril. Vai ser uma experiência completamente inédita para cada um de nós e com certeza muito proveitosa! Obrigado!” 

 

As oficinas abertas ocorrerão em 3 momentos distintos (abril, agosto e outubro), divididas por territórios. Entre em www.planodiretor.cb.usp.br para saber mais.

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