Novas Diretrizes Curriculares Nacionais: Vem aí a EC-4?

Sala de aula do Biênio (Reprodução: Poli-USP)

Por Vinícius Murbach (Engenharia de Materiais, 3º ano)

Em junho de 2023, este que lhes escreve publicou neste mesmo Jornal um texto sobre as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de engenharia no Brasil e a adequação da Poli a essa nova realidade. Quase um ano depois, como anda a implementação dessas novas diretrizes? Qual o balanço que se pode fazer até agora? É a essas perguntas, caro leitor, que tentaremos responder neste artigo singelo. Antes, porém, recapitulemos o básico sobre esse processo.

DCN3100 (ou 4100?) — Introdução às novas Diretrizes Curriculares Nacionais

Em 2019, a resolução 02 do Conselho Nacional de Educação alterou as diretrizes que regem os cursos de graduação em engenharia. Até então profundamente conteudistas, os cursos devem passar a focar no desenvolvimento de competências, como analisar e compreender fenômenos físicos por meio de modelos, comunicar-se eficazmente, trabalhar em grupo e aprender de forma autônoma. Cada habilitação, por possuir sua especificidade no mercado ou na indústria, pode desenvolver competências diferentes em seus alunos, mas há algumas gerais a que todas devem atender.
Nesse cenário, por volta de 2022, cada curso da Poli começou a traçar o perfil desejado que o egresso deve possuir ao se formar, elencando as habilidades e competências a serem desenvolvidas. Esse trabalho, coordenado pela Comissão de Graduação (CG), foi feito até o fim de agosto do ano passado, quando a CG e todas as Comissões Coordenadoras de Curso (CoCs) foram tomadas por um outro tema urgente, qual seja, o da curricularização da extensão — a ser abordada em futura oportunidade.

E depois?

Após essa interrupção, a implementação das novas DCNs foi retomada somente no fim do ano, com a estruturação de dois projetos-piloto para 2024 de cursos mais avançados nas discussões: a Elétrica e a Mecatrônica. Enquanto isso, os cursos todos começariam a discutir alterações concretas nas disciplinas e nas grades.
Ponto pacífico é que há, na atual estrutura, excesso de conteúdos e de disciplinas, e que a carga horária efetiva demandada de nós, alunos, excede em muito a que consta na grade curricular (que já não é pouca, se comparada com a de outras unidades). Sabe aquela sensação de que se aprende somente a fazer provas, sem de fato absorver o conteúdo? De esquecer o que se havia “aprendido” poucas semanas após as avaliações? São esses alguns dos problemas que se tentariam solucionar. Para tanto, tendo sempre em vista as competências elencadas por cada curso, passou-se em revista de cada disciplina, buscando determinar seus respectivos objetivos de aprendizagem, isto é, os tópicos mais fundamentais que os alunos deveriam internalizar.
Em seguida, passou-se à racionalização dos conteúdos, ou seja, os temas que fogem muito do escopo dos objetivos de aprendizagem previamente estabelecidos seriam retirados da ementa. A lógica, aqui, é que é pouco efetivo passar muito conteúdo, potencialmente prejudicando a aprendizagem do que é de fato fundamental. Nessa revisão, percebeu-se que há muita sobreposição entre disciplinas diferentes e que matérias muito próximas são pouco integradas na estrutura atual. Desse modo, uma estratégia adotada foi a fusão de disciplinas para integrar melhor os conteúdos, eliminando também as sobreposições.
Finalmente, temos já algumas propostas de grades novas a serem ainda aprovadas. Cumpre ressaltar que, como as novas DCNs colocam o foco muito mais em cada curso, as mudanças não foram tão homogêneas. Alguns cursos fizeram mudanças mais profundas, com a criação de trilhas e de várias disciplinas integradoras; outros — alguns dos quais, por serem mais novos — consideraram que poucas alterações já os adaptariam às novas diretrizes.

Como ficaram os projetos-piloto?

Ambos os projetos da Elétrica e da Mecatrônica foram implementados no começo deste ano. Tratemos um pouco de cada um deles.
Para o projeto da Elétrica — formalmente, Percurso Competências —, foram sorteados, dentre os ingressantes deste ano que se candidataram, cerca de 30 alunos para compor a turma-piloto. Nesse percurso, que corresponde ao triênio comum da Elétrica, cada semestre gira em torno de um projeto temático integrativo, no qual os alunos aplicam as competências desenvolvidas nas outras 4 disciplinas. Um conceito interessante trazido por esse percurso é contabilizar como créditos-trabalho o esforço despendido no estudo fora da sala de aula (workload), motivo pelo qual a carga horária é mais próxima à da realidade, conquanto formalmente mais elevada (aproximadamente 36 créditos).
O projeto-piloto da Mecatrônica, por sua vez, abrange todos os ingressantes desse curso e baseia-se, grosso modo, no oferecimento conjunto e sequenciado das disciplinas de Cálculo, Física e Álgebra Linear. Assim, professores dessas três disciplinas revezam-se e buscam ensinar os conteúdos de forma lógica, integrada e encadeada. Sabe aquela velha situação em que Física I logo no começo necessita de algumas ferramentas que só serão ensinadas em Cálculo I no final do semestre? É esse tipo de problema que se procurou solucionar.
Um conceito que permeia ambos os projetos — e que deve se estender para as demais disciplinas da Poli quando a implementação estiver concluída — é a adoção de avaliações formativas aproximadamente semanais (“provinhas”), em complemento às provas tradicionais (avaliações somativas). Assim, é possível acompanhar melhor a evolução da turma, aumentando o comparecimento dos alunos às aulas e diminuindo o peso de provas que podem resultar num diagnóstico impreciso da aprendizagem, a depender da situação psicológica e emocional do aluno no dia de sua realização.
Por fim, vale pontuar que, apesar de já estarem em progresso, esses projetos-piloto estão em sua primeira implementação e há ainda acertos operacionais a serem feitos.

E o Biênio?

Um questionamento natural e imediato que surge é acerca da situação do Biênio. Muitos dos problemas que vemos na Poli, como exorbitantes taxas de reprovação, ocorrem justamente nas disciplinas do Núcleo Comum. Assim, uma reforma curricular que se proponha a realmente sanar deficiências estruturais em nossa Escola não pode passar ao largo do Biênio.
De fato, há uma proposta surgida há poucas semanas que traz profundas alterações à estrutura no Núcleo Comum. Por que somente agora? Porque foi necessário consolidar as visões e expectativas das novas grades de todos os cursos para que se pudesse propor algo comum. Vamos, pois, à proposta.
Com base no projeto-piloto da Mecatrônica acima descrito, propõe-se, para o primeiro ano, uma disciplina integradora anual, por ora denominada Fundamentos e Modelagem em Engenharia, que abrangerá os conteúdos de Cálculos I e II, Álgebras Lineares I e II e Físicas I e II. Do mesmo modo que a matéria em que foi inspirada, essa disciplina será oferecida por uma equipe multidisciplinar do IME, do IF e da Poli, concatenando os conteúdos em uma sequência lógica e mais didática do que a do modelo atual, no qual essas matérias são oferecidas em paralelo.
De pronto, o fato de a disciplina ser anual e contar com cerca de 23 créditos pode causar estranheza ou mesmo assombro. No entanto, a lógica dessa nova forma de organização consiste em propor uma melhor acomodação dos conteúdos ao longo do ano, sem a rigidez da estrutura semestral, que muitas vezes acaba deixando os conteúdos “atropelados” em função da exiguidade do tempo, permitindo também aos alunos ter mais tempo para recuperar um eventual mau desempenho no início. Como sua disciplina-irmã da Mecatrônica, essa matéria de fundamentos deverá contar com uma maior flexibilidade nas formas de avaliação.
Outras alterações relevantes são a diminuição do número de alunos por turma e a presença de um professor responsável por cada turma, que acolherá os estudantes e acompanhará sua evolução, além da realização de avaliações diagnósticas no início dos semestres.
Para o segundo ano, apesar de a existência de uma disciplina integradora análoga à descrita acima ser dada como certa, ainda não está claro se o formato adotado será o semestral ou o anual.
Ressalta-se, mais uma vez, que esta proposta é bastante recente e ainda está em discussão. O Biênio congrega milhares de alunos e os detalhes operacionais que viabilizarão tais mudanças ainda estão sendo formulados.

Quais os próximos passos?

Agora, com propostas mais concretas, tanto para cada curso quanto para o Biênio, as alterações deverão ser aprovadas nos órgãos colegiados da Poli até o final de junho, e sua implementação deve se iniciar já em 2025.
Urge destacar que todas essas mudanças serão válidas somente para os alunos que ingressarem a partir de 2025. Para os que ingressaram antes, a atual estrutura curricular (EC-3) continuará válida e as disciplinas como são hoje continuarão sendo oferecidas.

Conclusão

Como se vê, estamos à beira da implementação de uma nova matriz curricular em nossa Escola. Nesse cenário, é possível que vejamos problemas estruturais históricos finalmente resolvidos — ou, ao menos, significativamente mitigados. Cumpre-nos, portanto, participar desse processo não somente agora, em fóruns de discussão que foram e ainda serão promovidos por entidades como o Grêmio e os Centros Acadêmicos, mas também, e principalmente, quando essas profundas alterações forem finalmente implementadas, para que não se incorra na mesmice e na inação que, no passado, obliteraram tantos processos renovadores na Poli. A modernidade bate à porta. Cabe-nos abraçá-la, em favor das próximas gerações de politécnicos e mesmo da manutenção da reputação e da excelência da nossa querida Escola Politécnica.

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