As enchentes no Brasil e o planejamento urbano

Entrevista com a professora Karin Marins do departamento de construção civil da Escola Politécnica
 
No início do ano várias cidades do Brasil como São Paulo e Belo Horizonte sofreram com problemas em decorrências de fortes chuvas que causaram alagamentos em vários pontos da cidade, além de perdas financeiras e humanas. Apesar de ser um problema recorrente, as enchentes vem causando prejuízos para os habitantes da cidade, que ficam impotentes diante dessa adversidade.
As enchentes são frutos da relação do homem com o espaço urbano e a natureza. Apesar de eventos singulares acontecerem como um chuva com volumes altíssimos, a regularidade em que as enchentes acontecem demonstram que esse evento é fruto das modificações que a natureza vem sofrendo.
A urbanização vem propiciando uma série de vantagens para a civilização. Todavia, o seu processo vem alterando a natureza e modificando os ciclos naturais, ocasionando em prejuízos para todos.
Para conversar mais sobre problema, O Politécnico entrevistou Karin Marins, professora doutora do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Poli, para falar sobre as enchentes, os processos de urbanização e como o planejamento urbano vem trabalhando para conciliar os problemas ambientais com as necessidades sociais.
 
O Politécnico(OP): Casos como as enchentes deste ano acontecem regularmente em diversas cidades do país. Por que, mesmo sabendo da existência desses problemas, casos como os do início do ano ainda acontecem?
Karin Marins: Existem diversos fatores que contribuem para a ocorrência das enchentes, sendo alguns de ordem natural, como a intensidade da chuva, e outros devido aos padrões de desenvolvimento urbano, principalmente o uso e ocupação do solo, bem como questões de gestão urbana, sobretudo no que tange à gestão de resíduos sólidos, limpeza urbana, e manutenção do sistema de drenagem de águas pluviais. A adoção de padrões de uso e ocupação do solo mais adequados em termos de infiltração da água acumulada na superfície – sobretudo em momento de chuvas intensas – , assim como a elevação da eficiência dos serviços urbanos, ambas associadas à escala crescente de urbanização que vem sendo verificada em grandes cidades brasileiras, são medidas que ainda demandam políticas públicas mais exigentes. A coordenação dos diversos agentes e setores que regram o planejamento urbano também se torna fundamental para que tais medidas e seus aspectos estejam cada vez mais presentes em projetos urbanos, o que não é tarefa simples.
OP : Num contexto geral, como o crescimento desordenado das cidades e os processos de urbanização estão interferindo nesse problema frequente?
Karin Marins: A ocupação de áreas de várzea, assim como a extensiva impermeabilização do solo urbano são fatores que aumentam a demanda para o sistema de drenagem urbana, muitas vezes fazendo com que este supere sua capacidade. Ademais, a própria obstrução desse sistema, sobretudo pela disposição irregular de resíduos em certos trechos ou áreas, faz com que o mesmo se torne insuficiente mediante eventos de chuva mais frequentes e, inclusive, de menores intensidades.
OP: Que atitudes poderiam ser tomadas, no curto e longo prazo, para amenizar ou extinguir problemas como esse?
Karin Marins: No curto prazo, investir na manutenção do sistema de drenagem e de gestão de resíduos sólidos urbanos, bem como implementar sistemas de detenção e retenção complementares da água – como reservatórios de pequena capacidade em empreendimentos e de maior capacidade em áreas públicas urbanas – são alguns exemplos de ações possíveis. Os reservatórios de menor capacidade podem ser incentivados a serem implantados nos projetos de reforma de edificações existentes, residenciais e comerciais, bem como em edificações novas.
No longo prazo, promover a desocupação de áreas de grande risco, situadas sobretudo, nas regiões de várzea. Além disso, integrar soluções de infraestrutura verde e serviços ecossistêmicos à infraestrutura de saneamento básico como um todo, de forma a ampliar o ciclo da água no território urbano, aumentando a infiltração da água de forma mais extensiva e distribuída no território. Os serviços ecossistêmicos são processos por meio dos quais os ecossistemas naturais desempenham funções ou serviços para gestão de recursos naturais. A infraestrutura verde abrange soluções híbridas envolvendo sistemas naturais e construídos, voltados, inicialmente, à minimização dos efeitos das mudanças climáticas, dentre eles as inundações, com escalas de intervenção que vão da cidade a locais específicos tais como áreas vegetadas e arborizadas, compostagem, horta urbana, jardins de chuva, pavimentação permeável e telhados verdes são exemplos de iniciativas relacionadas a serviços ecossistêmicos e infraestrutura verde.
OP: A cidade de São Paulo se utilizou de recursos como a canalização e a retificação de rios para transformar o espaço urbano. Como essas ações contribuíram para agravar os problemas das enchentes hoje?
Karin Marins: A canalização e a retificação, em geral, aceleram o escoamento, as águas chegam mais rapidamente aos grandes canais e cursos d’ água. Se uma grande área de contribuição é impermeabilizada e há canalização extensiva sem se associar dispositivos para infiltração (como jardins de chuva, áreas verdes), ainda que parcialmente atuantes, bem como retenção e detenção (reservatórios prediais e urbanos), a quantidade de água escoada também adquire enormes proporções. Assim, os canais e cursos d’água que recebem maiores contribuições e suas várzeas reduzidas, podem não ser suficientes para conter eventos de inundações.
OP: O Plano Diretor atual da cidade está contribuindo com melhorias para esse tipo de problema? E em relação a problemas como a poluição da água, acústica, visual e do solo?
Karin Marins: O Plano Diretor traz objetivos e diretrizes de implantação de parques lineares, programas de recuperação de fundos de vale, além especificar taxa de permeabilidade e cobertura vegetal que, se implementadas sistematicamente, no longo prazo, auxiliam a minimizar os problemas de enchentes.
OP: Como é possível conciliar fatores biológicos como ciclo hidrológico, incidência solar e a existência de áreas verdes com um meio ambiente construído e as necessidades sociais? Principalmente tendo em vista que são os fatores biológicos que vem tendo que se adequar às necessidades humanas e não o contrário?
Karin Marins: Por meio de atuação interdisciplinar ou intersetorial, promovendo abordagem sistêmica de problemas e soluções urbanas, considerando aspectos ambientais e sociais.
OP: O planejamento urbano busca identificar problemas atuais da cidade para propor soluções para o futuro. Qual o impacto que questões ambientais estão tendo para decidirmos os rumos que as cidades devem tomar?
Karin Marins: Tecnicamente falando, as questões ambientais são extremamente relevantes, pois impactam na resiliência das cidades, ou seja, os seus impactos, bem como seus respectivos potenciais de adaptação e mitigação de eventos extremos são fundamentais para a sustentabilidade do planejamento urbano nas cidades. Questões ambientais são essenciais, sobretudo no que tange ao consumo eficiente de recursos, com preferência para os renováveis, e à promoção da proteção e da qualidade ambiental.
OP: Quais são as tecnologias e práticas que vêm sendo estudadas e aplicadas, que podem ser utilizadas na cidade de São Paulo e no Brasil, que visam buscar um desenvolvimento mais sustentável e com mais harmonia entre os fatores construídos e naturais?
Karin Marins: Com foco na temática das águas pluviais, as tecnologias e soluções que vêm sendo estudadas são baseadas na integração de soluções em infraestrutura verde e serviços ecossistêmicos, tais como agricultura urbana, balanço de áreas ocupadas e livres, permeáveis e impermeáveis, com ampliação do potencial de infiltração de águas das chuvas.
 
Roberto Araújo,
Engenharia Civil, 3° ano

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