Escritores da Modernidade

Dois universos que marcaram a infância de muitos foram o de Percy Jackson e o de Harry Potter. Por coincidência, ambos ganharam a mídia recentemente: o primeiro pelo anúncio de adaptações de duas sagas do autor em plataformas de streaming, o segundo pela polêmica que sua autora causou por pronunciamentos em redes sociais.
A literatura de fantasia sempre foi conhecida como um lugar de fuga para os seus adeptos. Afinal, em um mundo de magia e seres míticos, quem gostaria de ser lembrado das dificuldades da vida real? Ali, meio-sangues e bruxos — como são chamados os personagens principais dessas sagas — nos proporcionam todo o escapismo de que precisamos e nos permitem mergulhar em seus problemas de enfrentar monstros e comensais da morte enquanto ignoramos os nossos.
Mas, como diria nosso velho Camões, Todo o mundo é composto de mudança. Da mesma maneira que a realidade muda a nossa volta, as pautas que são trazidas à tona também. Coisas que sequer seriam discutidas duas décadas atrás ganham espaço, e a cultura não fica para trás. Não só filmes e séries, mas também nos livros.
O Brasil não é conhecido exatamente por seus leitores. De fato, a porcentagem da população que leu ao menos um livro nos últimos três meses caiu de 56 para 52% nos últimos quatro anos. Sendo um quadro decadente ou não, o importante é que isso representa uma parcela grande da população e, por causa disso, uma grande possibilidade de impacto e de propagação de conteúdo.
Desse modo, o que é a literatura para ficar para trás?
Vale a pena levantar a pergunta: como os autores, internacionais ou não, vêm lidando com toda essa mudança? Eles têm usado sua influência e voz para dar força para assunto que precisam ganhar espaço, ou vêm se envolvendo em polêmicas por causa de seus posicionamentos?
J. K., uma mulher em um mercado quase que dominado por homens — e falo isso como a garota que muito procurou por figuras femininas entre os autores de sua infância, foi praticamente “cancelada” por vários de seus fãs por comentários feito no Twitter. Em contrapartida, há figuras como Rick Riordan.
Um autor tão consagrado quanto J. K. e talvez um pouco menos conhecido, escreve sobre como a mitologia – grega, nórdica e egípcia – seria nos dias atuais. Ao decorrer de suas obras, é possível perceber que tanto os personagens quanto o próprio autor evoluem no tempo, que são sensíveis às mudanças à sua volta.
Claro que sempre haverá aqueles que reclamam que seus escritores favoritos estão se envolvendo em politicagem demais, que aquela história já não serve como escapismo e continuamente lhe remete às emblemáticas da vida real.
Mas, afora esse mudar-se cada dia, nossa percepção da realidade continua evoluindo, e, uma vez mais, levanto a questão: como a fantasia que escolhemos ler e vivenciar em nossa imaginação tem nos afetado? Estamos sabendo escolher bem em busca de sempre tomar novas qualidades?
Para finalizar, deixo aqui um trecho – e o convite para que qualquer um, tomado pela curiosidade, venha conhecer o restante da história – de umas das histórias do criador de Percy Jackson que sempre me incitou a reflexão:
— Então, posso perguntar…? — Fiz um gesto vago. Eu não sabia quais palavras usar.
— Como funciona? — Ela deu um sorrisinho. — Desde que você não me peça para falar por todas as pessoas fluidas de gênero, tá? Não sou embaixadora. Não sou professora, nem garota-propaganda. Sou só — ela imitou meu gesto — eu. Tentando ser eu da melhor forma possível.
Pareceu justo. Pelo menos era melhor do que ela me dando socos, me enforcando com o garrote ou virando guepardo e me atacando.
— Mas você é metamorfa. Não pode simplesmente… você sabe, ser o que quiser?
O olho mais escuro tremeu, como se eu tivesse cutucado uma ferida.
— Essa é a ironia. — Ela pegou um abridor de cartas e girou na luz colorida. — Posso mudar minha aparência para o que ou quem eu quiser. Mas meu gênero? Não. Não posso mudar por vontade própria. É realmente fluido, no sentido de que eu não o controlo. Na maior parte do tempo eu me identifico como alguém do sexo feminino, mas às vezes tenho dias muito masculinos. E não me pergunte como sei o que sou em que dia.
Essa seria a minha próxima pergunta, na verdade.
— Então por que você não usa palavras neutras? Não seria menos confuso do que ficar trocando de pronomes?
— Menos confuso para quem? Para você? […] Olha, alguns preferem a neutralidade — disse Alex. — São pessoas não binárias ou de espectro neutro, sei lá. Se elas não querem identificação de gênero na fala, é isso o que você deve fazer. Mas, no meu caso, eu não quero usar os mesmos pronomes o tempo todo, porque eu não sou assim. Eu mudo muito. Essa é a questão. Quando sou ela, eu sou ela. Quando sou ele, eu sou ele. Não sou elx. Entendeu?
— Se eu disser que não, você vai me bater?
— Não.
— Então não, não entendi muito bem.
Ela deu de ombros.
— Você não precisa entender. Só, sabe, respeitar.
Samira Paulino dos Santos
Engenharia de Petróleo, 1° Ano

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