60 anos não são 60 dias

Manifestação com fotos dos mortos e “desaparecidos” pela Ditadura (Reprodução: Brasil de Fato MG)


Por Luiz Antônio Melo (Engenharia Ambiental, 4º ano)

Ao longo da Ditadura Civil-Militar, que se estendeu por 21 longos anos, viveu-se
um verdadeiro apagão informacional. Se hoje nós discutimos os efeitos da
hiperinformação, causada por redes sociais em demasia, nesse período do século XX,
as preocupações eram outras: será que essa informação é verdadeira? Será que isso
aconteceu mesmo? Onde está tal pessoa? (ironicamente, preocupações que, com as
fake news, retornaram). E, nesse espaço do claro-escuro, o folclore das massas se
apresenta para trazer diversas justificativas e explicações para as quais não há
respaldo oficial. Um dos meus favoritos é o que se criou sobre a data do Golpe que
tirou Jango do poder: foi no dia 31/03 ou no dia 1º/04? Se você perguntar para alguém
que possui certa “afinidade” com o preceito da “Revolução”, a resposta certa é 31 de
março, pois nunca que um “fato tão importante” para a nação teria acontecido no Dia
da Mentira. Só que, para mim – e, mais importante, para a historiografia, o golpe se
consumou no dia 1º (Com exceção do RS, que só foi totalmente controlado no dia 2).
E, com uma certa ironia do destino, iniciou-se o mais tenebroso período da nossa
história recente.

Essa foi apenas uma das grandes dúvidas que pairavam sobre as cabeças dos
brasileiros naqueles tempos. Começava, ali, a era da informação, na qual os rádios já
eram muito difundidos e a televisão, cada vez mais, começava a chegar nas cidades e
entrar nos lares brasileiros. Ainda sim, houve um momento de escuridão total. Em uma
das definições mais interessantes que eu já tive contato, o Jornal do Brasil, em sua
primeira edição após o AI-5, em 1968, deu uma previsão do tempo dizendo que “O ar
está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos”, em seu último número
sem intersecção da censura, que foi também recheado com notícias com duplo sentido,
alertando ao leitor. Para mim, essa foi a grande definição dos efeitos deste regime que
se impôs: tornou o ar irrespirável. Todo esse processo, que deixou feridas ainda não
cicatrizadas no Brasil, iniciou-se há 60 anos e ainda reverbera, e muito, na sociedade
brasileira contemporânea.

Neste breve artigo, o meu intuito não é repetir sobre como correu o golpe, muito
menos trazer conjecturas nem eventuais passagens, mas, simplesmente, trazer uma
realidade à tona: nós não podemos esquecer do que se passaram naqueles 21 anos,
afinal a democracia brasileira foi morta em 48 horas, e levou mais de 20 anos para se
reerguer. Burke dizia que um povo que não conhece sua história é fadado a repeti-la e,
se o dia 8 de janeiro de 2023 deixou algum legado, é que esse passado talvez esteja
tentando nos puxar pelo pé de alguma forma e nós não estejamos compreendendo a
magnitude e profundidade desse acontecimento. No próximo ano, o Brasil completará
apenas 40 anos de redemocratização, em um processo no qual houve uma anistia
geral, iniciada em 1979. Logo, não houve nenhuma maior responsabilização das
centenas de oficiais brasileiros que, “em nome da lei”, prenderam, torturaram,
assassinaram e ocultaram corpos de milhares de cidadãos da República Federativa do
Brasil e, por mais que não pareça, isso colaborou para que hoje, como sociedade, nós
ainda não tenhamos total certeza do que se passou nos anos de chumbo.

É neste ponto que anda o perigo, como nos pronunciou Burke. Precisamos,
sempre, e especialmente nas datas mais cruciais, como este marco temporal,
relembrarmos de tudo que se passou: das prisões sumárias, da censura à imprensa e
aos artistas, das torturas e desaparecimentos, do exílio imposto a vários, de uma
geração que não possuía o direito de escolher seus representantes, da corrupção, dos
desmandos e do inglório fardo que foi deixado, quando começamos a tentar arrumar a
casa em 1985.

Deve ter chamado a atenção do leitor que, até esse ponto, eu utilizei
predominantemente a primeira pessoa do plural, “nós”, apesar de ser nascido no
século XXI e não ter vivenciado diretamente nenhuma faceta desse regime. Entretanto,
ao dizer nós, eu desejo aludir a todos os democratas, que querem um Brasil livre, com
Justiça, Memória e Reparação aos afetados por esse período bárbaro e, acima de
tudo, que conheça bem os caminhos por onde andou, e siga vigilante para que não
retorne a uma estrada que sabemos nos levar a um desfiladeiro. Portanto, vamos
utilizar essa data para que nos lembremos e sigamos caminhando, olhando para frente,
mas sem esquecer de onde viemos.

A partir do compromisso de nunca nos esquecermos do que se passou, gostaria
de ressaltar que este mesmo jornal no qual agora você me lê, hoje com toda a
liberdade inerente de um regime democrático, foi censurado e teve suas atividades
muito reduzidas por causa dos efeitos da ditadura. Um texto como o que eu escrevi
aqui, sem dúvidas, acarretaria diversas consequências para mim e para toda a equipe
editorial que me suporta, como acarretou, para muitos.

Por fim, não há melhor jeito de finalizar esse texto se não com uma citação de
um dos maiores responsáveis pelo retorno à normalidade democrática: Deputado
Ulisses Guimarães, que, na sessão da Câmara que promulgou a Constituição que nos
rege hoje, disse, como se pudesse ver o futuro: “Traidor da Constituição é traidor da
Pátria. Conhecemos o caminho maldito”. Que essas palavras ecoem por todas as
mentes e corações brasileiros. Vida longa ao Brasil livre e democrático!

 

 

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